Por que razão é tao difícil abandonar o papel de vítima e, com isso, o sofrimento? Existem diversas abordagens para a sua explicação, todos os processos decorrem mais ou menos inconscientemente, uma vez que os limites são permeáveis.

O sofrimento tornou-se um sentimento a que a pessoa está acostumada e através do qual a sua vida se organizou. Este hábito é tão rotineiro que ainda que a pessoa sofra, ela pode sentir-se bem com ele. Para pôr fim ao sofrimento, exige-se uma mudança de hábitos. Esta mudança pode conseguir-se através de decisões conscientes ou ocorrências do destino.

Para muitas pessoas o sofrimento é a única possibilidade de se sentirem intensamente a si próprias: “sofro, por tanto sinto-me, logo existo”. O sofrimento converte-se na experiência mais intensa das suas vivências. Embora possa parecer contraditório, este paradoxo observa-se com frequência. Muitas vezes os pacientes queixam-se de uma sensação de vazio difícil de suportar depois de se ”terem despedido” do seu sofrimento.

O sofrimento recompensa, como no clássico caso de quem se beneficia através da doença. Enquanto se sofre, recebe-se mais amor, cuidado e dedicação. Através da doença, por exemplo um enfarte do miocárdio, conseguir-se-á ser mais importante. Tudo gira em torno desse acontecimento.

O sofrimento eleva o sofredor a uma melhor posição. Porque ele sofre, sente-se numa melhor posição relativamente aos seus semelhantes e daí surge a exigência, que é inconsciente na maioria dos casos. Uma vez que essa exigência é inadequada, não chega a conseguir cumprir-se, motivo pelo qual o papel de vítima e de sofredor se reforçam. Expressões tais como “ninguém me compreende” ou “estão todos contra mim” são convicções básicas dessas vítimas “crônicas”, que permanecem cativas no círculo vicioso do sofrimento. Especialmente no cristianismo, o sofrimento tem para os outros uma grande importância: o martírio é notoriamente uma boa premissa para a santificação.

O sofrimento pode ser reconhecido socialmente e condicionar o sentimento de pertença a um grupo. A sociedade compadece-se superficialmente das “pobres mulheres abandonadas”, enquanto aos “homens abandonados” não se lhes reconhece socialmente o direito ao seu sofrimento. As “mulheres abandonadas” formam um grupo que se lamenta, afirma e motiva reciprocamente. Quando a mulher abandona o seu papel de vítima, deixa de pertencer a este grupo. Desta forma, e pese embora todos os aspectos de significação, também os grupos de auto-ajuda correm riscos.

Frequentemente, a identidade do grupo ordena que somente se possa participar quando se sofre.
O sofrimento caracteriza-se geralmente pela passividade, portanto, deixar a posição passiva significa agir e passar do papel da vítima ao de sacrificador. Neste contexto positivo, ser sacrificador significa assumir uma responsabilidade e “entrar em ação”. Pude observar que os sofredores sentem uma forte inibição para colocar-se em ação, devido às implicações familiares procedentes de gerações anteriores (homicídio, desapropriação, etc.). Nestes casos, os sintomas são o fracasso e a falta de trabalho. Aferrar-se ao papel da vítima serve para “não chegar a ser assim, como os pais e os avós”.

O sofrimento pode ser mal interpretado e, dessa forma, restabelecer a própria inocência. Por medo a reconhecer a autoria, a pessoa refugia-se no papel de vítima e volta a ser aparentemente inocente. Como exemplo queria aqui mencionar o papel de muitas pessoas durante o III Reich, que depois da guerra tornaram ao papel de vítimas e “nunca tinham ali estado”. O papel de vítima aqui é quase um fenômeno de massas e foi, durante muito tempo, socialmente aprovado. Esta “falta de reconhecimento” da própria culpa provoca novamente o sofrimento das gerações seguintes.

Frequentemente, como compensação pela culpa “não reconhecida” dos sacrificadores em gerações anteriores, os membros da família subsequentes sentem-se responsáveis infundadamente. Estas implicações provocam uma persistência no papel de vítima. Por lealdade com as vítimas dos sacrificadores, sentem-se traidores quando abandonam esse papel.

Assim que o amor pelo sacrificador ganhe espaço, poderá deixar-se com ele os fatos que lhe correspondem, resolvendo-se dessa forma a compulsão para o sacrifício. Para os descendentes das vítimas vale a pena frisar que também eles permanecem no papel de vítima “por lealdade com os seus antepassados”. Os sintomas destes sofredores são similares, são formas graves de doença e depressão.

Ilse Kutschera e Christine Schäffler In “Enfermedad que Sana. Sintomas Patológicos y Constelaciones Familiares”. Alma Lepik Editorial.

Traduzido do castelhano por Eva Jacinto

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