Por Lauren Cristina

O tempo não cura tudo. Aliás, ele não cura nada. É o tempo que você investe no seu processo de cura que te revitaliza e trata.

Quanto tempo tem em um segundo?

Acordar às 6h, trabalho às 7h, reunião às 14h, trânsito pesado das 17h às 19h, e então procurar o que comer ou fazer às 20h. Lavar aquela louça de ontem? Talvez hoje não. Já a roupa para a semana não pode esperar. Lá pelas 22h a máquina terminou de bater. Pelo menos um episódio daquela série hoje eu vou ver… Bom, só mais um não faz mal, né? 0:45h! Ah….Só cinco horas de sono de novo? Por vezes a nossa rotina nos faz querer cantar como a Bethânia em Oração ao Tempo: “Tempo Tempo Tempo/faço um acordo contigo”.

Quando o tempo começou a ser medido pelo ser humano, suas partes eram maiores, colocávamos dentro de um dia. Fomos cada vez mais o dividindo. E quanto mais partia-se o tempo, menor ele ficava e mais rápido ele passava. Pensávamos que o tempo estaria sob o nosso controle, agora podemos ajustar os relógios e todos temos o mesmo tempo. Será mesmo?

Termos nos tornado seres condicionados ao tempo significa que tudo leva tempo e o tempo nos leva. Até mesmo a mais simples escoriação de uma queda de bicicleta ou um corte daquela faca afiada de cozinha demora seu devido tempo para cicatrizar. Porém o que acontece se ignorarmos o cuidados necessários? Possivelmente uma infecção ou uma cicatriz de aspecto nada agradável. E ele vai passar para cada situação de maneira diferente. Um dos exemplos que particularmente gosto pela facilidade de compreensão sobre a passagem relativa do tempo de Einstein é aquela pergunta intrigante : “ O que dura mais? Um minuto descalço sobre brasas ou um minuto no abraço da pessoa de quem se gosta?”

São os mesmos um minuto vivenciados de maneiras diferentes. Se as experiências para nós podem ser vividas com tempos diferentes. Isso também pode chegar as pessoas.

Cada pessoa tem seu próprio tempo?

“Isso vai passar, calma.” Essa frase dita tantas vezes, principalmente quando se quer dizer que o turbilhão que deve estar se vivendo vai passar em questão de tempo. O que reflete meia verdade.

Para o entendimento de uma ótica da psique humana considera-se que a nossa mente é atemporal. Que os acontecimentos passados estão vividos como se ocorressem hoje. E os vividos hoje se entrelaçam no que vivemos no passado. Dentro de nossa mente, deste salão imensurável de armazenamento de memorias, aprendizados e emoções tudo esta em constante dinâmica. E muito do nosso melhor acesso a esse lugar depende de como conduzimos o nosso aprendizado dentro das emoções. O quanto dedicamos em apreender os símbolos e signos que carregamos em nós. Os quais adquirimos nas experiências que tivemos ao longo de nossa vida.

No interim de nos desenvolvermos, criamos muitas relações no decorrer do percurso. Aprendemos como funciona o respeito aos mais velhos, a importância de pertencer a grupos de amigos e como impressionar alguém atraente. E também entramos em contato com sentimentos de frustação , medo e decepção. A tristeza entra nesse meio. E a forma que cada individuo vivencia depende de sua história. Assim como cada um tem sua história, ela é vivida cada uma em seu próprio tempo.

Em um processo de luto, membros de uma mesma família que perdeu um ente querido, atravessam os estágios cada qual a sua maneira. Pois ali estão postas as relações de afinidade, convivência e parceria que partilhavam. O tempo que cada um leva para conseguir se reestabelecer depende também da profundidade que o sujeito possui em se conhecer. Ao conseguir olhar para si, reconhecer sua dor e acolhe-lâ, aprendendo que a pessoa que partiu, continuará presente em sua memoria e nos momentos que partilharam, possivelmente conseguirá logo mais estar sem maiores dores a sua rotina. “Mesmo quando tudo pede/ um pouco mais de calma/até quando o corpo pede/um pouco mais de alma/Eu sei, a vida não para”, Lenine nos canta esses versos na música Paciência.

Quando voltamos a nossa atenção aos traumas ou choque pós-traumaticos vemos de maneira mais evidente a atuação do tempo de maneira reversa ao que o senso comum nos convida a pensar. Quando passamos por uma situação de extremo estresse, medo ou ameaça a vida o nosso relógio interno trinca. Aquele momento fica cravado em nossa mente e em nosso corpo. O tempo da vida não cessa, o mundo continua a girar, porém o nosso marcador interno está fixado naquele ponto. Com o girar dos ponteiros do cotidiano somos arrastados a continuar a rotina.

Ou mesmo tomados pelo parâmetro do tempo alheio, que já deu o tempo para que “aquilo” fosse superado. Aqui o tempo pode só tirar a atenção de sua dor. Pode te abarrotar de outras questões que te prendam a atenção. Tem-se a pretensão de que se eu não vejo, eu não sinto. E invariavelmente, uma hora ou outra, o sujeito se depara com uma situação similar ou que referencia o trauma, e todo o estresse e a descarga de adrenalina são recebidas pela mente e o corpo como se tudo estivesse sendo repetido tal qual a primeira vez. (Lembra da nossa mente atemporal?Então…). Aqui o tempo não passa. E só deixar ele passar não vai adiantar de nada.

Desta forma o tempo não cura tudo. Aliás o tempo não cura nada. É o tempo que você investe no seu processo de cura que te revitaliza e trata.

“Segura na minha mão que agora eu vou passar o Mertiolate”

A frase acima reflete parte do que é estar em processo de cura. Para a criança que lá no começo do texto ralou o joelho ao cair da bicicleta ou para o adulto que se cortou na cozinha, o processo de cura por vezes não é indolor. Aquele machucado que por vezes tentamos esconder por vergonha, pois ela pode significar que falhamos, ou que não queremos aceitar que existe, pois somos auto-criticos demais. Requer coragem e determinação para olhar e tocar cuidadosamente na ferida. Necessita reconhecer que deseja ajuda e aceita-la. É sentar na beira da cama e olhar enquanto sua mãe abre a caixinha de remédios. E saber que aquela mão que segura a sua enquanto o remédio arde, depois vai assoprar e te encher com aquela sensação refrescante de alívio. Mesmo que venha depois de uma bronca para não ficar aprontando novamente na rua.

O tempo de um processo de cura é o tempo que deseja conhecer mais intimamente a si mesmo. E ele pode ser feito em diferentes módulos. Existem as pessoas que encontram as ferramentas para o caminho para o auto conhecimento em livros e filmes de auto-ajuda. Aquelas que conseguem se fortalecer ao encontrar sua força partilhada em sua rede apoio de amigos e família. E aquelas que buscam o encontro mais intimo consigo mesmo na psicoterapia, pois o tempo ali é para ser usado da maneira que desejar e o espaço ofertado no qual não há julgamentos. E que quando a ferida precisa ser tratada, sua mão estará amparada. Você não estará sozinho. Leve o tempo que precisar.

Pois no futuro, quando aquela criança se tornar adulto, e entender que o corte em seu dedo faz parte da vida, ele poderá sentar-se no braço do sofá, enquanto abre o pacote de band-aid, e rir de si mesmo pelo acontecido. Tendo ciência que tudo tem seu devido tempo de se curar.

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