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Troco toda e qualquer certeza por um segundo de leveza

Não, eu não tenho certeza de nada. Nada. Aliás, eu não quero, obrigado. Tem gente demais por aí exibindo convicção sobre tudo. Gente demais pontificando sobre as doenças do gado, os novos astronautas, o cio da capivara. Gênios seguros colecionando certezas sobre o que, no fundo, desconhecem. Façam bom proveito!

Daqui, do meu canto no mundo cercado de dúvidas, tenho tantas questões a responder, tanta dívida a pagar! Mas certeza, mesmo, nenhuma. Quando muito uma impressão aqui, um palpite ali, uma intuição acolá. E todas elas me sopram no ouvido que as perguntas mais fundas e os encargos mais altos não pesam tanto quanto a menor convicção. E que acumular certezas na vida é como arrastar uma velha locomotiva morta num terreno baldio.

Não tem jeito. Uma hora isso tudo pesa. Isso. Você sabe o quê. Essa sanha por razão, esse empenho por serventia, utilidade, importância. Nosso ímpeto de glória, nossa corrida extenuante, nosso esforço por predileção e prestígio, as infinitas tentativas de acerto, essa peleja contra o tempo, a idade, o outro, a vida, a morte, o mosquito da dengue e o leão do imposto de renda, o bandido na esquina e o vilão da novela. Isso tudo já pesa tanto! Para quê aumentar o fardo com velhas certezas esfarelando ferrugem?

Está certo. Eu compreendo que tanta gente por aí se refestele portando a verdade das coisas, o latifúndio das crenças, o veredicto instantâneo de todos os crimes. Entendo de longe o prazer de exibir tudo isso pendurado no pescoço como o maior diamante do mundo. Mas eu ainda prefiro a leveza das dúvidas corriqueiras.

Prefiro, sim, o movimento incerto de um dia depois do outro. Escolho não saber do futuro mais que o imediato instante seguinte. Não me interessa por enquanto o que vai na última página do livro, mas tenho aqui uma impressão humilde de que o que lá estará depende do que eu fizer agora.

Não, eu não sei o quanto vai chover amanhã. Mas sinto alegria de olhar a água no pote de sorvete roído nas bordas, esperando mansa as lambidas largas do vira-lata que vê em mim seu melhor amigo.

Que sejam felizes os oráculos, suas certezas profundas como os pires e sua sabedoria de papagaio. Eu prefiro a leve e boa descoberta do que repousa debaixo dos móveis, nos vãos do sofá, dobrado entre as páginas de um livro cuja leitura retomamos de quando em vez.

Não, eu não tenho certeza de nada.

André J. Gomes

http://www.revistaletra.com.br/ Jornalista de formação, publicitário de ofício, professor por desafio e escritor por amor à causa.

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