A trajetória de como o tímido Reginald Dwight (Taron Egerton) se transformou em Elton John, ícone da música pop. Desde a infância complicada, fruto do descaso do pai pela família, sua história de vida é contada através da releitura das músicas do superstar, incluindo a relação do cantor com o compositor e parceiro profissional Bernie Taupin (Jamie Bell) e o empresário e o ex-amante John Reid (Richard Madden).

Uma cinebiografia competente capta a essência de seu homenageado, mas “Rocketman” vai muito além, o roteiro de Lee Hall (de “Billy Elliot”) opta por ser coerente em espírito à ele, quebrando as tradições narrativas, subvertendo expectativas ao adotar a estrutura de um musical clássico, respirando a poesia que transborda nas letras de Bernie Taupin, abraçando carinhosamente a sensibilidade das melodias de Elton John, encontrando maneiras lindas de traduzir com intenso surrealismo os conflitos determinantes em sua vida.

É louvável como o filme se aprofunda, de forma corajosa e até bastante ferina, nas questões familiares em sua infância e adolescência, berço de boa parte dos traumas que, aliados à inicial dificuldade em aceitar sua homosse#ualidade, construíram uma personalidade fragilizada, tímida, que enxergava a música como desesperada válvula de escape.

O conceito de emoldurar a história a partir de uma sessão de terapia coletiva é perfeito, com o protagonista, no auge de seu caos existencial, literalmente se desfazendo gradativamente de sua couraça protetora psicológica, no caso, o seu traje espalhafatoso de palco, enquanto vai desnudando sua alma, reencontrando lentamente seu “eu” inalterado, puro. Até os alívios cômicos são utilizados inteligentemente desenvolvendo o personagem, como na breve cena em que o pequeno interage com sua rígida professora de piano.

A parte técnica é um primor, reconstituição de época, figurino, direção de arte, não há sequer um detalhe na experiência que distraia negativamente o espectador, prejudicando sua imersão emocional.

O elenco corretíssimo, todos afinados no mesmo diapasão, mas é preciso destacar o impecável trabalho de Taron Egerton, que também canta, ajudado pela proposta tridimensional do texto, compondo uma figura multifacetada, quando o mais fácil seria apostar na caricatura.

Ele participou de ótimos projetos, como “Juventudes Roubadas” e “Kingsman – Serviço Secreto”, mas nada nos preparou para o que ele entrega nesta obra, ele faz esquecer que estamos vendo uma versão do artista, não é uma boa imitação, o rapaz se torna Elton John.

O toque de mestre é apostar na humanização do protagonista, não tornando-o menos fascinante, mas, sim, forçando a identificação com o público.

Há os excessos de dro$as, a exuberância de prazeres carnais, toda aquela mística da fama internacional, algo que se espera em qualquer retrato de roqueiros relevantes da época, mas são elementos distantes, agimos como voyeurs pagantes de ingresso.

Ao inserir com riqueza de camadas neste contexto o muito comum sentimento de solidão e inadequação, a tristeza de um lar frio, com pais desequilibrados e que parecem se esforçar para dificultar ainda mais o percurso do filho, todo mundo, em menor ou maior grau, acaba se enxergando vividamente naquela realidade.

Você não sai da sala escura somente conhecendo mais sobre o cinebiografado, você sai com uma compreensão melhor de si mesmo.

Para se ter uma ideia da eficiência de “Rocketman”, finalizo com algo que escutei de um senhor emocionado na saída da sessão: “Eu nem era tão fã dele, mas agora eu sou.”

Imagem: Reprodução








Octavio Caruso é escritor, crítico de cinema, ator, produtor, roteirista, cineasta, publicitário e jornalista.