Uma vez, há muitos anos, eu e uma amiga resolvemos fazer um bate e volta em Campos de Jordão, uma linda cidade no interior de São Paulo, famosa pelo frio excessivo no inverno. A minha amiga então me disse que outra garota, mais amiga dela, iria junto, o que achei ótimo porque gostava mesmo dela. Essa garota era de uma religião cuja parte da prática era entoar mantras. Quando chegamos a Campos, subimos para o jardim do auditório, depois de almoçar meio tarde, para ver o pôr do sol. O dia tinha sido ótimo, demos muitas risadas e ela começou a entoar os mantras enquanto o sol se punha. E a voz dela era simplesmente maravilhosa! Aquele sol, aquela voz, aquela música. E lembro-me de ter pensado: pelo amor de Deus, mulher, você precisa virar cantora!

Ela não era cantora. Estudava jornalismo com a minha amiga, tinha convicções políticas fortes e era isso que ela queria. E lembro-me de quase entrar num embate com ela porque, se eu tivesse nascido com aquele dom, jamais desperdiçaria.

Acabo de assistir à “edição especial” do seriado Gilmore Girls “Um ano para recordar”. Para quem não conhece, este seriado conta a vida da família Gilmore, três gerações de mulheres e suas agruras numa pequena cidade americana. Uma mãe aristocrática, uma filha rebelde que engravidou aos 16 anos e a neta, exemplo de inteligência e talento. Ri muito. E chorei muito. A última cena é uma das cenas de casamento mais lindas que eu já vi no cinema (licença poética por ser um seriado). Mas não vou dar spoiler, só contar a minha impressão sobre Rory, a neta inteligente.

Ela se formou numa das melhores universidades dos EUA, mas encontra-se perdida profissionalmente. Não tem uma casa, crédito e nem grana para comprar calcinhas. Sente que, aos 32 anos, já deveria ter conquistado tudo, mas suas roupas estão espalhadas por três estados, em caixas. Ela é o exemplo do que passa essa geração cheia de expectativas. Apesar de eu ter saído da casa dos 30 (há pouco tempo), senti o que ela sentiu. Que as expectativas que são colocadas são, apesar de parecerem um dom, um fardo.

Eu sempre fui “a inteligente” (na verdade, sempre quis ser “a bonita”) e isso fez com que eu acreditasse em apacidades que eu nem tinha. Sim, sou inteligente, mas não sou um gênio e nenhuma empresa foi me buscar nos bancos da faculdade e me levou para estudar fora. Eu nunca ganhei um prêmio ou fui destaque numa feira de ciências ou fui agraciada com uma homenagem num livro de algum famoso. O máximo que eu cheguei perto dos famosos foi ver o Paulo Ricardo comprando uns óculos no shopping e bater um papo num spa com a mãe da Claudia Abreu, que nem famosa é.

Mas o que ela sente é que deveria ser e estar mais. Ela é uma excelente escritora, e todo mundo elogia seu artigo para um jornal de Nova York, mas a pergunta que ela se faz é: o que eu faço com isso? Para que serviu tanta expectativa? Por que eu deveria ser tanto? Ter tanto? Chegar tão longe? Chegamos num tempo, e os defensores das metas e planilhas de plantão que me desculpe, que precisamos entender, de fato para onde estamos indo e porquê. No final da série de quatro capítulos, cada um falando de uma estação do ano, ela diz “tanta coisa para chegar até aqui, no final é só o caminho”. E é isso mesmo.

Não devemos esperar tanto, criar tantas expectativas irreais do que é a vida. Montamos castelos de areia. Achamos que nosso futuro é algo que deveria ser enorme quando, no fundo, ele é o que é. E sim, talvez ela nem quisesse aquilo tudo de início e precisasse ter passado para saber disso.

Somos o que somos e não o que o mundo espera de nós. Não dê ouvidos à tia velha ou ao tio do “pavê ou pra cumê” que sempre perguntam se você está ganhando rios de dinheiro ou se está namorando no Natal. Não se importe de se sentar à mesa das crianças aos 30 e poucos ou ainda morar na casa dos seus pais porque a sua história é isso, só a sua história. Criamos um roteiro que achamos que deve ser seguido e, no fundo, isso só nos traz um sofrimento enorme.

Não, você jamais terá a mesma vida da sua mãe que “na sua idade já tinha três filhos” ou qualquer coisa assim. Cada história é uma! Você não precisa ser um gênio da matemática porque seu pai era assim ou, então, provar para todo mundo que é igual ao seu avô famoso. Você é você e isso é ótimo assim mesmo. Precisamos nos livrar destas amarras que só nos causam frustração e medo e nos colocam na posição de fracassados.

É, talvez você se case ou não. Talvez você tenha filhos ou não. Talvez você seja uma famosa apresentadora de TV ou, então, só cuide de um gato vesgo e faça compras no supermercado. Não importa. Desde que a faça feliz! É essa a única pergunta que devemos responder. Estou onde EU queria? Que tal só viver a sua vida e parar de esperar por um milagre? Por que, como disseram as meninas Gilmore: no final, é mesmo só o caminho!








Terapeuta porque adora ajudar as pessoas a se entenderem. Escritora pelo mesmo motivo. Apaixonada por moda, dança, canto, fotografia e toda forma de arte. Adora pão de queijo e café com leite e não pretende mudar o mundo, mas, quem sabe, uma pequena parte da visão que temos dele. Espaço Terapêutico Andrea Pavlovitsch Av Dr. Eduardo Cothing, 2448A Vila Formosa - São Paulo - SP +55 (11) 3530 4856 +55 (11) 9.9343 9985 (Whatsapp) [email protected]