Depois de um tempo em que a gente sofre um rompimento doloroso e se mantém na inércia, se jogar no escuro sempre parece uma má ideia e até um tanto quanto perigoso.

Eu era como alguém que recém perdera a visão e já não sabia mais caminhar sem ajuda de muletas, então preferia caminhar pelos lugares mais seguros, por ruas e quartos já conhecidos, onde não corria o risco de tropeçar em móveis espalhados pelo caminho ou pior ainda, me apaixonar.

Porque a gente nunca sabe em qual esquina dessas da vida vamos cair em alguma armadilha e eu me protegia como podia.

Seu corpo era o meu lugar comum e eu já sabia o caminho de cor e salteado, tanto que mesmo sem luz eu acabava sempre encontrando o caminho de volta pra você, que já conhecia tudo em mim, desde o meu ponto mais forte até o meu ponto fraco e eu não precisava me esconder ou fingir ser alguém que nunca fui. As portas estavam sempre abertas para ir e voltar. Eu sempre voltava, sempre acabava batendo à sua porta e você sempre abria mesmo sem perguntar quem é, pois já sabia.

Eu entrava, mas não te olhava nos olhos, seguia espalhando roupas pelo caminho, espalhando os lençóis e me espalhava contigo, mas eu nunca conseguia ficar. Um abraço já era muito pra minha sanidade e eu que era um bicho acuado que por outro alguém fora muito ferido e maltratado não conseguia confiar em ninguém, muito menos em você.

Assim eu não podia me entregar, mas você me conhecia tão bem que eu já estava emaranhada em nosso passado de novo e de novo em um looping sem fim. Mesmo assim eu nunca ficava. Preferia fugir a encarar a possibilidade de vivermos algo real e eu não queria correr esse risco.

Então eu saía sem olhar pra trás, não precisava de desculpas e nem explicações. Saía sem me despedir, porque me despedir parecia tão errado quanto estar ali, como se eu traísse a memória de alguém que foi embora e mesmo sem estar continuava sempre presente e que eu não podia evitar pensar. Eu queria apenas que a gente vivesse na superfície, sem correr o risco de me afogar. Enquanto você se aprofundava em mim, eu recorria a minha boia flutuante de lembranças distantes onde eu me sentia segura e você não conseguiria me alcançar.

Naquela noite não foi diferente e eu pensei em fugir. Você me pediu pra ficar: “Só hoje, está tarde!” você disse. Eu tive medo, pensei que se eu ficasse estaria tudo perdido, eu estaria perdida e de novo cairia na mesma armadilha.

Eu sabia e sentia, mas mesmo assim fiquei, mesmo que meu coração não estivesse ali eu fiquei porque estava tão frio lá fora. Fiquei porque estava congelando e a verdade era que mesmo inventando as melhores desculpas, eu não tinha nada melhor pra fazer mesmo. Fiquei porque estava mais frio em mim do que naquela noite escura e gelada. Fiquei pro seu bom dia e pro seu café forte.

Fiquei pro seu carinho no meu rosto enquanto eu fingia que dormia só pra não demonstrar o quanto aquele gesto me assustava e fiquei pro seu abraço apertado cobrindo todo meu corpo me protegendo do frio, fiquei pras nossas risadas embaixo do chuveiro. Fiquei pra ouvir o seu sotaque dizendo que gosta de mim. Fiquei porque também gosto da gente assim. Fiquei porque, sim, eu também gosto de você.

Naquela noite eu escolhi ficar, porque já tava difícil me esconder do mundo e porque já não dava pra ficar longe e nem pra fugir de nós e nem de mim. Dessa vez eu abri a porta pelo lado de dentro, pra sair ao seu lado num dia desses de um domingo ensolarado.








é Mineira de certidão e paulista de coração. Amante de café, citações e boas histórias. Metade clichê e metade metamorfose ambulante que acredita sempre no melhor das pessoas e acima de tudo no amor que move montanhas e refaz corações partidos.