Tinha sido uma semana de sol todos os dias. Passarinhos cantavam, pessoas sorriam e todos os outros clichês de um dia feliz estavam na pauta. Mas não para mim. Meus dias de sol estavam tempestuosos. Meu cotovelo de atleta-jornalista pobre doía tanto quanto um coração partido. Minha moeda no fundo da bolsa estava tão solitária quanto um filho abandonado por uma mãe em um orfanato sujo. Meu humor insistia em ficar tão negro quanto um oceano que recebeu um desastre de petróleo. Mas, para os outros, eu deveria estar rindo e cantarolando também, afinal de contas o dia estava lindo, eu tinha saúde, um emprego, uma casa para voltar e podia respirar sem que algo químico obstruísse minhas lindas narinas.

Sei que naquele momento que eu praguejava por sentir dor no cotovelo tinha alguém que chorava por ter descoberto um câncer fatal. Sei também que enquanto eu reclamava por só ter dinheiro para comprar miojo – de novo – milhares de crianças na África morriam por não ter o que comer. Sei muito bem que existem tantas e tantas desgraças mundo afora que fazem as minhas parecerem piadas, mas espera lá: elas são as minhas. Eu não desmereço a dor de ninguém, então por que preciso desmerecer a minha? Não tenho direito de vivenciar minha desgraça particular porque coisas piores ao redor do mundo estão acontecendo?

Egoísta, você pode estar pensando. Não, sou realista. E tenho preguiça de gente com sorriso na cara o tempo todo. Porque a gente precisa das pequenas desgraças – pequenas em palavras, porque cada um sabe o peso do fardo que carrega. Só quem vive suas batalhas diárias sabe o quanto sua dor dói, e ela tem o direito de doer em paz sem que ninguém a desmereça. Acho lindo esse discurso pró-ativista de crianças-morrendo-de-sede-e-você-aí-reclamando, mas me diz, o que você está fazendo para ajudar essas pessoas? Falar da sede alheia com o copo de água na mão é muito fácil. Aliás, falar é tão fácil que até papagaio aprende. Se quer vir com um discurso sobre a imensidão da minha dor, me mostre primeiro o que faz para amansar a dor alheia.

Dias de sol podem ser chuvosos. Dias de chuva podem ser ensolarados. Um coração partido pode doer tanto quanto a morte de alguém. Saudade cria um buraco no estômago tão grande quanto a fome. Só a gente é capaz de saber o que nos assola e o que nos consola. Se você não pode fazer algo para mudar uma realidade alheia, não menospreze um sentimento que não é seu, afinal de contas, dor não é algo catalogado, nem felicidade, nem amor, nem nada. É pessoal. Não se pode falar que o doce é bom sem ter provado o amargo. E nem sempre o amargo é ruim também, gosto é subjetivo. Se quer me ver doar algo de bom, primeiro me deixe em paz com a minha dor.