Foto: Divulgação/Instagram Marília Mendonça

Hoje alguém se lembrou de mim ouvindo a música “Ausência”, da Maria Mendonça. Ao me fazer conhecer sua lembrança, eu também pude me reconhecer nela.

Me vi pensando no que é ser presença nesses tempos digitais. Entendi então, que a partir do conceito de presença podemos reconhecer seu oposto, a ausência.

E me questionei: Será que a presença requer que estejamos fisicamente presentes?

Talvez.

Em um mundo onde as distâncias se reduzem aparentemente, e drasticamente a forte exposição que a tecnologia dos meios de comunicação e das redes sociais nos impõe, sinto que ainda não é possível transmitir as boas sensações que são provocadas pelo tato e que a presença física nos causa, através de simples vídeochamadas. Mas, podem ajudar na “tentativa” de diminuir as distancias reais.

No entanto, ainda me pergunto se apenas com um abraço ou uma conversa olho no olho podemos nos fazer presentes na vida daqueles que amamos. Pois entendo a dificuldade que é, tentar estar, constantemente por perto quando o dia parece ter apenas 12 horas.

Tudo isso me fez questionar o que significa presença hoje em dia.

Tenho a impressão de que a necessidade que temos em tornar públicas grande parte de nossas vivências diárias, com stories de 5 em 5 minutos, selfies dos mais variados e desabafos íntimos diários, nos leva a uma aparente sensação de que estamos próximos mesmo sem, de fato, estarmos.

Próximo, não quer dizer que estamos realmente perto, mas, de quem estamos verdadeiramente perto? Questione-se aí também! Você considera que está, de verdade, perto de quantas pessoas?

Quando me fiz essa pergunta, percebi que talvez eu seja um ilhado digital.
E me senti como um náufrago em terras firmes.

Revi minhas prioridades e percebi que mesmo eu, me faço ausente, mesmo querendo estar presente. Como dizem por aí, o tempo que dispomos é questão da prioridade que damos as coisas. Tudo depende do que nos move e das necessidades que temos no momento em que nos encontramos.

No entanto, há quem diga não ter esse tempo para se fazer presente na vida de quem ama. Seria isso possível?

Não acredito.

Vivemos em uma época onde as pessoas precisam ser vistas, admiradas, reconhecidas, mas a maioria não se importa em oferecer um pouco do seu tempo, fisicamente, mas cobram e esperam que os outros sejam o que eles mesmos não são.

O fato é que não são só os outros que se ausentam de nossas vidas, nós também fazemos isso sempre que não queremos nos dar o trabalho de mudar qualquer coisa em nós para que o relacionamento fique melhor.

A maioria apenas quer continuar sendo como é, sem que seja necessário modificar os seus defeitos, sem que precisem transformar aquilo que fere e machuca, por isso preferem a proteção da tela do computador.

Preferem isso, a terem o trabalho de se aproximar do outro e oferecer aquilo que intimamente desejam receber.

Na era dos relacionamentos líquidos, que servem apenas para matar a sede das pessoas, todo o universo particular que abrigam dentro, acaba por transformar algumas delas, em meras garrafas pet.

Sim, garrafas pet. Pois, não podemos ser promovidas nem sequer a “squeeze”. Sabe? Aquelas garrafas reutilizáveis.

Poucas pessoas entendem a necessidade de reciclar aquilo que não faz mais sentido.

Bem menor é o número de pessoas que aceitam reutilizar ao invés de descartar.

Apenas aqueles que já são bons entendedores aceitam reutilizar aquilo que já teve seu valor, mas que se tornou desnecessário com o tempo. Eles enxergam o que precisa ser transformado para passarem a ser mais úteis, e partem para uma transformação.

Aqueles que ainda não são bons em entender o outro, fazem diferente, se isolam e acabam carentes, mendigando afeto e cobrando presença onde ela já não existe. Querem matar a sede da falta que sentem dentro, mas depois que matam a sede, fazem o descarte de qualquer maneira, sem dó nem piedade.

Quem ainda não se tornou um bom entendedor bebe todo o líquido que há dentro da sua “garrafa pet”, e quando ela perde a função, ele apenas a joga no lixo.

Entendam: Quando matamos nossa sede e só nos resta o refil da Pet, é o momento de transformar essa garrafa em algo que venha a ser mais útil, para nós e para os outros.

Quando entendemos isso, percebemos que não devemos descartar a nossa garrafa pet, mas que precisamos estar conscientes de que aquilo que não nos serve mais, deve se transformar em algo novo. Em outras palavras, deve ser ressignificado, no caso da garrafa, reciclado.

No momento em que aprendemos, de coração, a reutilizar o que quer que seja, o padrão de descarte se encerra, e aprendemos, finalmente, a transformar o nosso lixo interior em uma fonte inesgotável de novas possibilidades e a encerrar esse ciclo, que torna a ausência, presente em nossa vida.

Passamos a compreender o outro e não sentir mais a sua ausência como algo ruim, mas uma parte do processo evolutivo dele. E esse entendimento diminui a dor da falta que outro nos faz, esse entendimento é o que leva as relações a se tornarem duradouras e saudáveis.

Aquele amigo ausente pode e deve se tornar reciclável. Pode e deve ser reutilizável, para que ele, enfim, possa retornar como presença abundante e acolhedora. Entendamos os processos e o tempo de cada um para que possam também respeitar os nossos.

É preciso transformar internamente esse processo irregular de descarte, de outra forma, caminharemos próximos apenas nas redes sociais, mesmo sem estarmos perto de ninguém.

Afinal, ficar perto dá trabalho, “enche o saco” às vezes, e bagunça o pequeno mundo de cada um. E, reciclar dá trabalho… Exige força de vontade. Mas o resultado final compensa o sacrifício.

Se não entendermos o motivo pelo qual estamos preferindo não nos relacionar de verdade, ou o porquê não queremos reciclar as relações, e preferimos passar a vida substituindo as pessoas por outras, a ausência passa a ser nosso escudo, e a falta de compreensão das questões particulares de cada um nos levará a um estado de carência emocional.

Para deixarmos de sofrer a falta do outro em nossas vidas, precisamos aprender a ser bons entendedores.

Meia ausência para aqueles que entendem e aceitam o processo evolutivo do outro, não é nada.

Será que somos mesmo bons entendedores?

Será que “só” meia ausência basta para que nos retiremos em busca de novas companhias?

Aqueles que não se compreendem não conseguem também compreender a ausência do outro, e insistem em uma presença que se revela ausente dia após dia.

Além disso, ser bom entendedor requer coragem para abrir os olhos.
De olhos abertos, enxergar o que não gostaria de ver e, mesmo assim, seguir adiante.
Porém, por outro caminho.

Não queira ser uma garrafa pet para sempre, ressignifique o seu lixo interno para que a sua presença seja motivo de alegria para quem convive com você

Quem em sã consciência desejaria continuar sendo “garrafa pet” em um mundo que se recicla constantemente?

É difícil se ver esmagado no processo que a transformação exige. Sair do estado de produto que éramos ontem, e voltar a ser apenas uma matéria prima que será outra coisa amanhã, mas que ainda não sabemos o que será realmente, é desafiador, e só quem tem coragem consegue encarar esse processo.

Aqueles que desejam continuar sendo algo que não contribui e apenas polui, merecem, que o outro se faça ausente em sua vida. Principalmente, se esse outro já iniciou o seu processo de transformação. Porque ninguém merece conviver com quem só exige e cobra, e acaba nos contaminando com as suas “garrafas” que poluem todo o nosso interior.

Aqueles que querem ser rio limpo, que já se tornaram conscientes de suas margens, e que almejam seguir a correnteza que os transformarão em um mar abundante, certamente, preferirão se ausentar da vida daqueles que ainda insistem em poluir tudo e a todos.

Pensem nisso quando se queixarem da ausência de alguém querido.

O medo de mudar faz com que algumas pessoas evitem conviver com aqueles que vivem julgando e apontando os seus defeitos.

As pessoas têm medo das transformações que precisam ser feitas e muitas optam por continuarem sendo o mesmo produto a vida toda. Não querem oferecer nada a mais e não possuem coragem para encarar as transformações de frente. É a eterna necessidade de se mostrar perfeito, quando ninguém na verdade é. É preciso que as duas partes relaxem, que uma pare de apontar, e a outra abra mais a guarda para ouvir… Pelo menos de vez em quando.

Quem quer voltar a ser matéria prima tendo chegado a condição de produto final?

Ninguém quer, mas é preciso.

Só se torna um bom entendedor quem aceita recomeçar, mas a maioria luta para continuar sendo aquele produto que servirá de descarte, para todos aqueles, que ainda não aprenderam a reciclar. E seguem sendo descartados por pessoas que como ele, ainda não estão prontas para essa reciclagem interna.

A evolução é um processo que leva a apenas uma direção: para frente.

E se é para frente que se anda, como continuar sendo útil se não nos permitimos passar pelas transformações necessárias?

Pensando nisso, resolvi ensinar para vocês o que devemos fazer para nos tornarmos bons entendedores:

1- Viver sem preconceitos e aceitar as diferenças

Uma pessoa pode se fazer presente, mesmo estando ausente.

Só se faz presente aquele que aprendeu a aceitar as diferenças e a lidar com os seus preconceitos.

Ninguém precisa viver 24h ao lado de outra pessoa para ser lembrado. Existem várias formas de se fazer presente, sem ter que ficar mandando mensagens e entupindo a caixa de email de alguém.

Isso na verdade é ser inconveniente. Podemos nos fazer presentes apenas oferecendo nosso ouvido e nosso ombro amigo, sem que tenhamos, necessariamente, que dar uma lição ou conselho… Só estar ali e ouvir já basta.

Quando vivemos sem preconceitos e aceitamos as diferenças, tanto de pensamentos como de atitudes e escolhas, conseguimos estabelecer relações sólidas e saudáveis.

Quem já entendeu que o outro vive à sua maneira, e, está tudo bem. Quem não exige presença e nem faz cobranças, só deseja o bem e aceita o processo de transformação do outro, esse que consegue viver assim, já se tornou um bom entendedor.

2- Não espera nada em troca

Um bom entendedor não espera nada em troca. Faz o bem sem olhar a quem. Busca nutrir o seu próprio mundo interior. Ama sem precisar, necessariamente, ser amado.

Quem faz pelo outro sem esperar favores e recompensas, esse sim é um bom entendedor, e passa a respeitar a ausência do outro, caso ele entenda, que para realizar a sua transformação, seja necessário se isolar por um tempo.

Quem não espera nada em troca, também não espera pela presença do outro, ele simplesmente se faz presente, naturalmente, e não cobra evolução do outro, simplesmente evolui.

3- Não mendiga amor, nem atenção

Os bons entendedores se bastam e não mendigam atenção ou afeto. Eles tão somente esperam o momento do outro se manifestar, ou deixam de esperar sem sentirem dor ou falta. Não porque são frios e calculistas, pelo contrário, procuram carinhosamente toda vez que sentem vontade, mas por já terem passado por esse processo de se aninharem no casulo, entendem, que, as vezes, se faz necessário esperar pelo processo de transformação sozinho. Ou simplesmente porque respeitam a decisão do outro em se manter ausente e ponto.

Quem ainda não consegue entender as ausências daqueles que amam, se acabam em sofrimentos, se martirizam, reclamam, rastejam e se humilham, imploram amor e atenção como uma criança birrenta, e mesmo depois de espernearem, não conseguem o que querem, pois eles próprios ainda insistem em continuar sendo “garrafas pet”.

A transformação deve começar em nós, não devemos cobrar a mudança dos outros. Se queremos presença, sejamos presentes na vida dessas pessoas, e repito, sem cobrança, só dividindo o amor que se tem dentro.

Se queremos amor, ofereçamos amor, sem medo de sofrer, porque só sofre aquele que oferece um amor possessivo, regado a ignorância, ciúmes, desrespeito, e repleto de imposições desgastantes.

Uma pessoa que deseja ardentemente viver um amor, mas ainda não aprendeu a amar, acaba por sofrer a ausência daqueles que ela diz amar. Porque ninguém aguenta um amor que sufoca, um amor que deprimi, um amor que exige mais do que o outro pode oferecer. Simples e tão somente porque isso não é amor.

Assim sendo, que possamos ser produtos muito bem acabados, em constante processo de desenvolvimento.

Que tais produtos, muito bem-acabados, estejam presentes na vida de pessoas inteiras e íntegras. Pessoas que queiram a nossa presença. Pessoas que queiram se fazer presentes. Pessoas que aprenderam a reciclar o lixo interno.

Apenas e tão somente, o lixo.

Revisão: Iara Fonseca








Elen de nascimento, Maria por opção. Escritora, pensadora, sonhadora, gestora, coach e mãe. Escrever é colorir a realidade com as imagens que a alma captura a cada momento do existir. Tudo que é vivido, pensado ou sentido merece também ser escrito.