“Cada tristeza que a gente tem é uma sementinha plantada no coração, que uma hora vira uma melancia e fica muito pesado para aguentarmos”. Essa foi a maneira encontrada pela psicóloga de Marília Kazmierczak, na época com 6 anos, para explicar a depressão de sua mãe. O mundo dos adultos pode ser um enigma para as crianças, no entanto, ao olhar para os próprios pais, não é preciso idade para intuir sobre o que se vê, porque aquelas pessoas são como uma parte indissociável dos pequenos.

“Eu acho que me tornei adulta muito antes do que deveria”, relata Marília, hoje com 20 anos. Ela recorda da infância e da adolescência, quando chegava da escola sem a certeza de que sua mãe estaria viva, ia para as festas sem saber se sua mãe estaria disposta a buscá-la mais tarde ou se seu humor estaria o mesmo ao chegar em casa. Sua mãe tem 45 anos e enfrenta a depressão desde os 14. Mesmo não morando mais juntas, Marília lembra que, algumas vezes, ao visitá-la, ainda a encontra com a casa toda fechada, debaixo das cobertas e chorando. “Ver minha mãe sempre triste fez com que eu começasse a guardar minhas sementinhas também”, diz em tom confessional referindo-se à depressão que fez morada nela própria.

De acordo a OMS (Organização Mundial de Saúde), a doença, conhecida como o mal do século, já é a mais incapacitante do mundo. Para Nair Machado, psicanalista que trabalha com adultos e crianças, é fundamental atentarmo-nos às marcas simbólicas deixadas naqueles que convivem com pessoas deprimidas, sobretudo quando se trata de filhos. “Os pais são sempre uma questão a ser trabalhada pelos pacientes na terapia”, explica.

Sob o pseudônimo de Lurdes Maria, uma mulher de 32 anos mantém-se anônima há seis anos para escrever sobre a convivência com a depressão materna em um blog na plataforma wordpress. Em minhas buscas, Minha mãe tem depressão foi o único site que encontrei tratando o assunto de forma tão específica. A blogueira conta que, antes de criar seu próprio espaço, buscava sites similares, mas encontrava apenas textos em linguagem técnica ou com uma abordagem muito superficial. Apesar disso, essa não foi a razão que a levou a tornar públicas as suas experiências. “Eu estava realmente no limite e escrever me fez bem”.

Além de postagens com recomendações de livros e filmes que falam sobre a depressão, dicas sobre questões como “Fazer ou não terapia”, a autora narra seu próprio cotidiano. Um de seus principais relatos contínuos começou em 2009, logo nas primeiras postagens do blog, e conta sobre o tratamento de ECT (eletroconvulsoterapia), método utilizado para indivíduos com depressão grave e que não responderam ao tratamento médico convencional, ao qual sua mãe foi submetida e ela acompanhou de perto.

Lurdes Maria é uma voz guia para os filhos que convivem com a depressão dos pais e procuram ajuda na internet. Para além dos relatos da dona do Minha mãe tem depressão, o espaço dos comentários é ocupado por histórias de pessoas que passam por situações semelhantes em diversas fases da vida e sentem-se acolhidas o suficiente para compartilhar suas angústias mais profundas em uma caixa de mensagens on-line. “Minha mãe está passando por uma crise, me sinto mal em sair com minhas amigas e deixar ela em casa”, diz o relato de uma menina de 16 anos. “Meu pai teve depressão quando eu tinha 11 anos, hoje estou com 22 anos, também tenho depressão e estou com medo de que meu filho passe pelo que eu passei com meu pai”, diz outro relato.

Na área científica, as pesquisas da psicologia sobre os impactos da depressão dos pais no desenvolvimento dos filhos ainda são tímidas – e, principalmente, pouco acessíveis ao público que não está inserido no ambiente acadêmico. De acordo com o artigo “O impacto da depressão materna nas interações iniciais”, produzido na Universidade Luterana do Brasil por Evanisa Brum e Lígia Schermann, em 2006, o estado depressivo da mãe faz com que ela apresente dificuldades em se conectar com o filho e seja menos sensitiva aos seus sinais.

Neste mesmo artigo, Winnicot, pediatra e psicanalista inglês que viveu até meados dos anos 70, é tido como principal referência. Seus estudos sobre a importância e os efeitos do cuidado materno apontam para a visão do bebê que busca na mãe um reflexo dele mesmo. No caso dos filhos de mães deprimidas, há a ausência da reação materna, fazendo com que o filho afaste suas necessidades pessoais temporariamente, o que pode atrapalhar o desenvolvimento infantil e acarretar reflexos comportamentais inclusive na vida adulta.

Uma pessoa deprimida não somente torna-se incapaz de espelhar o filho e as pessoas que estão ao seu redor, mas cria, sobretudo, uma imagem distorcida sobre si mesma, não conseguindo mais enxergar-se no mundo. A esse respeito, Marília lança um olhar de compreensão sobre o transtorno de sua mãe. “Ela não teve a ajuda que eu tive quando era pequena”, avalia. Quando questionada sobre a imagem que tem sobre sua mãe, ela não hesita e dispara: “É a pessoa mais forte que eu já conheci”.