Nenhum. Não há neste mundo uma única relação que não se desgaste. Todo ser vivo em convívio com outro há de um dia se pegar aqui e ali em franco desconforto. Namoros, casamentos, amizades, convenções familiares, parcerias comerciais, toda relação entre pessoas se deteriora em algum momento. Cabe a nós decidir se cuidamos de reverter esse envelhecimento ou se largamos mão.

Como tudo que vive, tal e qual tudo o que existe neste mundo, a convivência também está sujeita à erosão causada pelo uso, pelo tempo, pelo vento, pelo sol e pela chuva do caminho. Só está livre de todo estrago aquilo que nunca existiu. Intocadas só permanecem as relações idealizadas, habitantes do terreno dos sonhos. Livres do chão barrento e imperfeito da realidade.

Histórias de verdade, vividas por gente verdadeira, têm prazo de validade. Prorrogá-lo é um trabalho a que nem todos se submetem. Uma hora dessas, quem um dia nos foi tão caro se transforma num estorvo, um aborrecimento, uma presença inconveniente. A gente vai vivendo, relevando um engano aqui, uma falta ali. E quando se dá conta, o convívio se tornou difícil, penoso, aflitivo. Nossa máquina íntima grita por óleo na engrenagem, pede a troca de suas peças e água que lhe refresque os motores. Clama por manutenção e reparo.

Todo relacionamento se desgasta mais cedo ou mais tarde. Se existe, está fadado a se deteriorar. Ou jamais existiu de verdade. Nunca houve nem haverá o que fazer a respeito. Uma hora a gente cansa do outro. Não nos cobremos por isso. Antes, perguntemos com honestidade se queremos cuidar do que ainda temos, se vive em nós um desejo sincero de resgatar o que fomos, se nos resta qualquer disposição de encontrar novos motivos para seguir adiante juntos.

Procuremos com empenho nos envelopes puídos de fotografias amareladas, no fundo de gavetas intocadas, nos vãos do sofá, entre as páginas dos livros onde repousam velhas entradas de teatro, passagens de ônibus, bilhetes esquecidos, resquícios de um tempo que por alguma sorte se perdeu. Busquemos em todo canto, dentro e fora de nós mesmos.

Quem sabe nos reencontremos ali e ali achemos os motivos certos para continuar. Quem sabe nos perderemos de vez. Não importa. Juntos ou separados, teremos sido corretos conosco, simples bichos humildes em nosso exercício leal de existir, reconhecer os nossos erros e nos tornar melhores para nós mesmos e para os outros. Sei não, mas eu tenho a impressão de que é por isso mesmo que estamos aqui.








http://www.revistaletra.com.br/ Jornalista de formação, publicitário de ofício, professor por desafio e escritor por amor à causa.