Se valorar pelo olhar do outro e se amar menos porque o outro nos trata com desrespeito é conferir às pessoas um poder que deveria pertencer só a nós.

Relações funcionam como espelhos. Muitas vezes nos vemos e nos descobrimos por meio dos outros. É por meio do olhar do outro, daquilo que o outro nos desperta, que percebemos potencialidades, fragilidades, limites, excessos, faltas.

Por outro lado, se valorar pelo olhar do outro e se amar menos porque o outro nos trata com desrespeito é conferir às pessoas um poder que deveria pertencer só a nós.

Nem sempre temos culpa pelas grosserias que recebemos ou pela falta de respeito que nos oferecem. Lá no fundo, a gente sabe quando mereceu levar um fora ou um desaforo no meio da cara. Lá no fundo, a gente sabe quando a atitude negativa do outro é uma resposta às nossas mancadas.

Da mesma forma que sabemos intuitivamente que merecemos uma cara virada, uma palavra atravessada, temos condições de saber também quando fizemos o nosso melhor e foi o outro que não teve generosidade e/ou inteligência para perceber. Ou até percebeu , mas quis ser ingrato e desagradável mesmo assim.

Nem tudo é culpa dos outros. Nem tudo é culpa da gente. Nem tudo vem de fora. Nem tudo vem de dentro. Não é porque você se boicota que outras pessoas não te prejudicam. Não é porque você é imaginativo demais e meio paranoico que não estão realmente tramando contra os seu planos. A vida é uma coisa bem intricada mesmo e muitas vezes o perigo parte de muitos lados. Tentar encaixar tudo numa teoria única pode ser bem simplista para não dizer simplório.

Mas o que vale ressaltar é que o desamor do outro ou qualquer sentimento por nós diz respeito a quem sente , não a nós. Se o outro me desrespeita, não farei dueto com ele me desrespeitando também. Se o outro não me ama, não farei sociedade com ele, me depreciando e descuidando de mim. Se o outro acha que eu não mereço uma oportunidade, não farei dupla com ele , me privando de lutar por aquilo que desejo ou penso desejar. Se o outro me diz não por indiferença ou prazer sádico, cabe a mim dizer o sim.

Se alguém se atrasa para um compromisso, o problema não está comigo que foi pontual. O problema está com quem não consegue respeitar a sua palavra. Se o outro deixou de pagar uma dívida, o problema não está com quem emprestou o dinheiro. Ok. Quem emprestou tem o problema de perder o dinheiro, mas não deve se sentir culpado porque o outro foi desonesto. Se damos amizade sincera e o outro nos ironiza pelas costas, o problema está com quem desvaloriza o afeto verdadeiro, transformando uma relação que poderia dar bons frutos num fiasco.

Cada um deve fazer a sua parte da melhor forma possível nesta vida louca. Sim, o desamor do outro diz respeito ao outro pois é ele que o sente.








Viciada em café, chocolate, vinho barato, filmes bizarros e pessoas profundas. Escritora compulsiva, atriz por vício, professora com alma de estudante. O mundo é o meu palco e minha sala de aula , meu laboratório maluco. Degusto novos conhecimentos e degluto vinhos que me deixam insuportavelmente lúcida. Apaixonada por artes em geral, filosofia , psicanálise e tudo que faz a pele da alma se rasgar. Doutora em Comunicação e Semiótica e autora de 7 livros. Entre eles estão "Como fazer uma tese?" ( Editora Avercamp) , "O cinema da paixão: Cultura espanhola nas telas" e "Sociologia da Educação" ( Editora LTC) indicado ao prêmio Jabuti 2013. Sou alguém que realmente odeia móveis fixos.