Modernamente o Natal ultrapassou as fronteiras do cristianismo – religião histórica que instituiu a data – e ganhou espaço no mundo secular como mais um momento de consumo e, secundariamente, alguma reflexão e comunhão entre famílias e pessoas não necessariamente cristãs, o que é feito em torno do consumo de qualquer maneira.

Originalmente, a data em que hoje se celebra o Natal – 25 de dezembro – era o dia de comemoração ao Deus Sol, no solstício de inverno, que, no século III, foi incorporada pela Igreja Católica a fim de estimular a conversão dos povos pagãos que viviam sob o domínio do Império Romano. Nos países eslavos e ortodoxos a data é comemorada em 7 de janeiro, pois seguem o calendário juliano.

A partir do século III, então, a data torna-se o momento de comemoração pelo nascimento de Jesus de Nazaré: figura histórica mundialmente conhecida que foi capaz de dividir o modo como contamos a história no mundo ocidental. É ele, pois, a centralidade do que se chama de Natal (do latim nāscor, nascer), a festa dá-se em comemoração ao seu nascimento. Sabidamente, não se conhece com exatidão a data do nascimento de Jesus – trata-se apenas de data simbólica.

Algumas pessoas, tanto seguidores do Jesus – também chamado Cristo – quanto não seguidores, podem se perguntar: qual a relevância do pensamento dessa figura histórica Jesus? E essa pergunta se torna realmente importante, sobretudo para aqueles que não compreendem Jesus como um redentor, um salvador da alma, alguém enviado para nos levar ao paraíso.
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A centralidade do pensamento do Nazareno não foi a compaixão ou a felicidade eterna, como acreditam alguns estudiosos; e como afirmou o próprio Nietzsche, em sua crítica mais veemente ao cristianismo, O Anticristo, ser a compaixão o mais nocivo vício. Jesus foi um líder, enquanto compreendido apenas como personalidade histórica, da supremacia do amor.
E de qual “amor” estamos tratando ao rememoramos o amor ensinado pelo Cristo? E antes de tratarmos propriamente da resposta, que subverte as lógicas que até então existiam, vale rememorar dois clássicos da filosofia grega que discorreram sobre o amor muito antes de Jesus: Aristóteles e Platão. Assim teremos bons parâmetros para perceber com maior sensibilidade a essência do pensamento deste homem que anualmente nos dá alguns dias de feriado.

O amor de Platão, em termos gerais, é o amor centrado na beleza do caráter, na inteligência de alguém, o que vai ao encontro do amor no conceito de Sócrates, é o amor como sendo a raiz de todas as virtudes e também da verdade. É o amor manifestado na ausência, na falta; o amor que se apresenta mesquinho, do desejo, que se expressa pelo apego.

Já para Aristóteles, em termos gerais, o amor é manifestado na presença, é o amor da alegria do encontro com o objeto amado, aquele que se dá pelo atrito. É o amor que traz alegria, leva o homem à perfeição – excelência moral – como acreditava o filósofo.

Finalmente, o conceito de amor de Jesus ganha destaque por dar ao outro a completa primazia. Nas palavras do filósofo Clóvis de Barros Filho “O amor de Jesus é o amor que vai na contramão da animalidade; é o amor que interrompe um nexo normal e material de causalidades, porque quando se dá a outra face deixa-se claro que nem tudo é uma sequência causal-mecânica, pelo menos pode não ser”. Em outras palavras, o amor ensinado por Jesus é aquele em que se considera o outro a partir do modo como consideramos a nós mesmos. A Lei de Talião (reciprocidade rigorosa do crime e da pena) que vigorava à época de Cristo definia algo completamente diferente disso: era a regra do olho por olho.

A mensagem de Jesus, precisamente, sobre o amor, nos ensina a recuar, suportar, não responder mecanicamente nas nossas relações com as outras pessoas, escolher o modo como consideraremos cada ação que nos afete, e não apenas exercer uma atitude de revanchismo. Algo que parece inocente, se tomarmos apenas a concepção simplória das palavras, mas não precisamos refletir muito para observar o modo como nos destruímos pela ausência de um olhar mais compreensível sobre os outros.

O próprio Jesus, quando esteve vivendo em meio a sua cultura, deu um apanhado de exemplos, que contém princípios basilares do pensamento cristão, para o que alguém poderia chamar de vida feliz, ou no sentido filosófico do termo, afirmação da vontade de potência. Ele mesmo subverteu a lógica das leis religiosas de sua época e as resumiu em uma máxima que não poderia ser esquecida em nenhum Natal – sob pena de perder-se todo o sentido deste dia: amar a cada pessoa como se ama a si mesmo. Estabelecendo o conceito máximo de humanidade – em que todos nós somos compreendidos como parte de um todo.

Na época em que viveu, Cristo chocou os religiosos ao se recusar a confirmar e praticar leis que não continham princípios de amor, e andar com as pessoas de pior reputação: em sua companhia estavam doentes intocáveis por costumes religiosos, prostitutas, cobradores de impostos, ladrões, corruptos, pobres e marginalizados de todo tipo, atraídos pelo seu perdão, amor e generosidade inigualáveis, pelos seus ensinamentos que traziam paz e consolo.
Jesus não foi um pregador de felicidade. Não nos ensinou passos para uma vida feliz, em que realizações comuns seriam o encontro do significado da vida, mas no remeteu em todos os momentos ao amor, desse modo mais significativo, em que alguma concepção de felicidade consistiria em um caminho de amor, que representa abrir mão de si mesmo em favor do outro, no altruísmo mais elevado que significou para ele perdoar, no momento da sua morte, aqueles mesmos que o matavam.

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Certamente não se trata de um caminho de amor fácil. Tamanho o desprendimento que se exige. Talvez ele tenha ensinado o seu modo de amar para espíritos mais elevados, no entanto é necessário, antes de assim considerarmos o seus ensinamentos, fazermos uma última reflexão.

Compreendermos o modo de amar ensinado pelo Cristo passa pela compreensão do valor. Se um gato arranha o outro, este revida com outro arranhão àquele, não há valor para eles, reagem puramente com seus instintos. Assim, podemos considerar nossa humanidade, possuímos valores. E sabermos que somos, na natureza inteira, os únicos seres com consciência capazes de refletirmos sobre nós mesmos, inclusive sobre a finitude de nossa existência, nos confere uma espécie de superioridade: a de amar.

Somos parte da humanidade, e embora estejamos em uma relação de interdependência com o resto da natureza, possuímos essa capacidade cognitiva, de reflexão antes de agirmos, não somos o mero instinto de sobrevivência. Não precisamos viver em conflito uns com os outros como único modo de garantir alguma convivência em sociedade. O agir humano sem nenhuma reflexão madura de amor, ou mesmo altruísmo, está nos destruindo.

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Pensem como seria um mundo em que cada pessoa fosse capaz de sair do egocentrismo de suas vontades e desejos para considerar as outras pessoas. Um olhar amoroso sobre cada pessoa, e sobre toda a humanidade – a consideração de que somos esses seres imperfeitos, que podem agir por instintos ruins, mas que atingiremos a maturidade necessária em algum momento, pelo aprendizado e fomento da paz, pela construção não de uma cultura de felicidade, mas sim de amor.

Não haverá melhor Natal que aquele em que o nosso comprometimento for completo com um modo de amar que não seja egoísta, que não amordace a criatura amada, mas a considere em sua totalidade, como parte da nossa humanidade, como parte do que somos por isso também objeto do nosso amor e, consequentemente, até o pior dos homens merecerá ser amado. Experimente fazer um Natal diferente à moda daquele que esquecidamente celebramos. Feliz Natal.