O que Sigmund Freud diria sobre nossa obsessão pelas selfies?

Por Tomás Chamorro-Premuzic, psicólogo

Se você for aos lugares mais bonitos do mundo, provavelmente verá pessoas tirando fotos… de si mesmas. E talvez você faça o mesmo.

A palavra selfie foi aceita pelo Oxford English Dictionary, um dos mais importantes da língua inglesa, em 2013 e rapidamente se tornou a palavra do ano.

Apesar do neologismo, as selfies são tão antigas quanto a fotografia. Acredita-se que a mais antiga selfie seja do americano Robert Cornelius, que, aos 30 anos, tirou uma foto de si próprio do lado de fora de sua loja de lâmpadas na Filadélfia.

Mas por que nós usamos uma tecnologia tão inovadora que é a fotografia para captar imagens que podemos ver todos os dias no espelho?

E quem poderia explicar melhor as peculiaridades humanas se não Sigmund Freud?

Acredita-se que o americano Robert Cornelius tenha tirado a primeira selfie da história.

‘Eu me amo, você me ama’

Freud, o pai da psicanálise, popularizou várias ideias, como a do ego, superego e inconsciente. Um de seus conceitos mais famosos é o do narcisismo, o amor desproporcional por si mesmo.

Na mitologia grega, um jovem chamado Narciso viu seu reflexo na água e passou tanto tempo admirando sua própria beleza que se isolou do resto do mundo. Finalmente, ele se afogou tentando abraçar sua própria imagem.

‘É que Narciso acha feio o que não é espelho’, diz a música ‘Sampa’, de Caetano Veloso.

Freud pensava que um pouco de autoestima é algo natural nos seres humanos. Porém, o exagero do amor próprio pode se tornar um problema psicológico a ponto de a pessoa excluir relações com os outros, como fez Narciso na mitologia.

Alguns dos resultados não surpreendem:

– Os narcisistas tendem a ser mais ativos nas redes sociais;

– Publicar selfies está fortemente vinculado ao narcisismo.

Mas esse cenário é pior com os homens. Pesquisas indicam que o narcisismo clínico é 40% maior entre os homens do que com as mulheres.

Uma pesquisa que a psicóloga americana Jean Twenge fez desde 2009 com adolescentes dos Estados Unidos apontou que o narcisismo tem aumentado em um ritmo maior que a obesidade. No estudo intitulado “A epidemia do narcisismo”, ela conta histórias de pessoas comuns que contrataram paparazzi para segui-las como se fossem famosas e jovens que fizeram cirurgias plásticas sem necessidade.

“Os narcisistas acreditam que são melhores que os outros, carecem de relacionamentos afetuosos, constantemente buscam atenção e valorizam a riqueza material e a aparência física”, escrevou Twenge.

Segundo a pesquisadora Jean Twenge, o narcisismo tem crescido mais do que a obesidade nos Estados Unidos.

E o que pensaria Freud?

A maioria das ideias de Freud derivam de suas observações cotidianas, de modo que toda a informação disponível hoje seria um prato cheio para ele. O fenômeno da selfie talvez se tornasse um objeto de estudo para o psicanalista, se ele estivesse vivo.

Ele teria notado, como os psicólogos deste século já sabem, que muitas pessoas publicam selfies não porque estão apaixonadas por si mesmas, mas porque querem ser adoradas por outras pessoas que as seguem nas redes sociais.

Para Freud, essa necessidade de aprovação pareceria neurótica ou histérica.

Chamar a atenção

É bom lembrar que Freud empreendeu suas pesquisas no final do século 19, uma época de repressão sexual muito mais profunda.

As mulheres e os homens se mantinham estritamente separados e aprendiam desde cedo a se envergonhar quando se sentiam sexualmente atraente. Ou seja, ser sexy era um problema.

Muitas das pacientes de Freud eram da alta sociedade de Viena e sofriam de “paralisia histérica”, incapacidade de se mover sem ter qualquer explicação médica. O psicanalista pensava que essas mulheres paravam de se mover porque “queriam chamar a atenção” – porém, não sabiam disso.

A histeria, até meados do século 20, era uma doença (inventada) que tinha como sintomas a insônia, irritabilidade, nervosismo, infelicidade, desobediência e impertinência, segundo os médicos da época.

Então, se para chamarmos atenção já chegamos ao ponto de pararmos de nos mover, talvez seja melhor publicar algumas selfies, não?

Talvez sim, mas isso não significa que essa obsessão seja totalmente saudável, não apenas pelo que ela diz sobre nós mesmos, mas também porque ela afeta as demais pessoas.

Infelicidade

As selfies nos mostram em nossos melhores momentos, que são cuidadosamente montados e manipulados. Assim, diariamente somos bombardeados por imagens de outras pessoas que têm vidas e corpos aparentemente perfeitos.

Estudos recentes mostram que essa exposição excessiva nos enchem de inveja e criam sentimentos de isolamento, insegurança e inadequação.

Nas palavras de Freud, nos tornamos mais neuróticos: “O objetivo da psicanálise é aliviar as pessoas de sua infelicidade neurótica, de modo que elas possam ser infelizes comuns”.

Então, da próxima vez que você apontar a câmera para si próprio, lembre-se de Narciso e tente focar também seus amigos. Além disso, pode contar com Freud.

*Com informações de BBC.