Aquela menina tinha tanto de mim, que me fazia ver os mesmos passos inseguros que eu dava no passado.

Ela desconhecia seu potencial, sua beleza, seu carisma, sua singularidade. Ela não sabia, mas há dias eu a observava. Sempre ali, naquele mesmo lugar, pontualmente, esperando por algo ou alguém. Arrastando os pés. Sustentando o peso imaginário depositado em suas costas. Erguendo, vez ou outra, a cabeça. Suspirando e desviando olhares.

Uma crônica sobre a menina do sorriso introspectivo, que se recusava a ser sol

Ela não me via, não desconfiava da minha presença. Estava perdida em seus pensamentos. Muito jovem pra tanto amargor. As roupas que vestia, ofuscavam seu brilho. Eram em tons pasteis, mornas, largas o quanto bastassem para disfarçar suas curvas sinuosas.

Juro que pensei em me aproximar. Oferecer um café, um ombro, conforto. Ou só me sentar ao seu lado, falar sobre o tempo, sobre o clima, sobre o tudo e o nada. Sabe aqueles papos bestas que não levam a lugar algum? Quem sabe eu conseguisse tirar um sorriso de seu olhar contido? Quem sabe eu atenuasse aquela sofreguidão?

Queria entender o motivo da sua introspecção. Uma paixão mal resolvida. Um relacionamento abusivo. Um emprego o qual ela não gostava. Uma família desestruturada. Uma faculdade que não tinha nada dela e que a obrigaram cursar. Quem sabe tudo isso junto. Quem sabe outros tantos motivos. Quem sabe alguma doença, do corpo, da mente, da alma.

Aquela menina precisa sorrir mais. As covinhas perdidas no canto da boca, rodeadas por aquelas meia-dúzia de sardas, clamam por seu sorriso, por uma gargalhada daquela bem dada, sonoramente encantadora. Aquela menina, que se recusa a ser sol, precisa voltar a ser astro, a emanar sua luz.

Aquela menina tinha tanto de mim, que me fazia ver os mesmos passos inseguros que eu dava no passado. Como se o sapato que usássemos fosse dois números maiores ou menores que nossos pés. Passos incertos, inservíveis, que deixavam pegadas que não nos pertenciam. Eu mudei.
Espero que mudes também, doce menina.

Talvez, seja por ter me visto 15, 20 anos atrás naquela menina, que eu tenha sido tomada por toda esta empatia. Ela me despertou uma sensação de déjà-vu, mesmo que hoje, sejamos opostos: sol e lua, brisa e furacão. Ela, em formação. Eu, pura prosa, verso, composição.

Queria usar minha voz, para dizer a ela as palavras de Caio Fernando Abreu: “Não tenha medo, menina. Você vai encontrar um jeito certo, embora não exista o jeito certo. Mas você vai encontrar o seu jeito, e é ele que importa”.








Jornalista, balzaquiana, apaixonada pela escrita e por histórias. Alguém que acredita que escrever é verbalizar o que alma sente e que toda personagem é digna de ter sua experiência relatada e compartilhada. Uma alma que procura sua eterna construção. Uma mulher em constante formação. Uma sonhadora nata. Uma escritora que busca transcrever o que fica nas entrelinhas e que vibra quando consegue lançar no papel muito mais que ideias, mas sim, essências e verdades. Um DNA composto por papel e tinta.