Li um post no Facebook que me inspirou a escrever o atual texto. A frase era a seguinte: “O lugar no qual me encaixarei não existirá até que eu mesmo o crie”( James Baldwin). Sim, concordo.

Não existem paraísos perdidos, lugares ideais , perfeitos , onde o preconceito e a tacanhez de espírito tenham sido expulsos num passado remoto e atualmente sejam apenas lembranças distantes, quase mitológicas, num presente harmonioso e gentil. Não existem lugares governados pela compaixão, pela poesia , pelas delicadezas da alma. Não existem lugares onde a lei primordial seja o amor.

Somos guiados por leis duras, secas, que pouco entendem e pouco querem entender sobre a alma humana , sobre tudo aquilo que move e aquece as pessoas. Somos induzidos a viver existências medíocres, padronizadas em que quase tudo se restringe a pagar contas e a seguir à risca protocolos sociais. Não somos preparados nem incentivados a viver o amor maior.

Somos preparados e incentivados a sermos dissimulados, produtivos e silenciosamente infelizes. Somos preparados e incentivados para a mesmice e tudo que destoa e brilha, deve nos chocar , nos abalar , nos incomodar porque acostumados com o escuro , não sabemos olhar e sorrir para a luz.

Não, não existe um lugar no mundo para nós. Não adianta colocar uma mochila nas costas e sair por aí desbravando terras distantes. Não existem terras onde jorre leite , mel, ternura e cumplicidade. Cabe a cada um fazer o seu lugar no mundo.

Cabe a cada um transformar o hostil lugar onde vive num recanto de beleza, de aconchego, de calor humano. Cabe a cada um andar de cabeça erguida e assobiando diante das vaias. Cabe a cada um reverter o desprezo alheio em inspiração para criar , para se renovar. Cabe a cada um reciclar a mesquinharia e o automatismo do meio onde vive em matéria-prima para uma vida mais autêntica e significativa.

Se esperamos pela sociedade ideal, pelo mundo ideal para começarmos a ser nós mesmos , corremos o sério risco de vivermos como zumbis e morrermos como indigentes existenciais. Não, o mundo não muda. A sociedade se flexiona , quebra tabus , luta contra preconceitos, revê valores e leis injustas, cria movimentos para libertar minorias, mas sempre existirão grupos e pessoas que se sentirão no direito de ditar regras.

Sempre existirá hierarquia, sentimento de superioridade, desejo de calar a voz alheia. Quem não consegue cantar , não gosta de ouvir os pássaros. Quem não sabe dançar , deseja que todos fiquem sentados em cadeiras. Quem não sabe improvisar, brincará para sempre de siga o mestre. Quem não sabe escrever a própria história , luta para que todos apenas decorem as falas de um script antigo e chato.

Sim, para fazer o nosso lugar no mundo é preciso ter coragem, muita coragem. É preciso viver com o coração.








Viciada em café, chocolate, vinho barato, filmes bizarros e pessoas profundas. Escritora compulsiva, atriz por vício, professora com alma de estudante. O mundo é o meu palco e minha sala de aula , meu laboratório maluco. Degusto novos conhecimentos e degluto vinhos que me deixam insuportavelmente lúcida. Apaixonada por artes em geral, filosofia , psicanálise e tudo que faz a pele da alma se rasgar. Doutora em Comunicação e Semiótica e autora de 7 livros. Entre eles estão "Como fazer uma tese?" ( Editora Avercamp) , "O cinema da paixão: Cultura espanhola nas telas" e "Sociologia da Educação" ( Editora LTC) indicado ao prêmio Jabuti 2013. Sou alguém que realmente odeia móveis fixos.