Fala-se muito de sucesso, prosperidade, conseguir o que se quer, vencer desafios, dobrar o destino por meio de uma inesgotável força de vontade associada a talentos, habilidades e estratégias aprendidas no decorrer da vida.

Porém, nada ou quase nada se fala sobre a liberdade que conquistamos quando perdemos um sonho, quando lutamos bravamente e mesmo assim não conseguimos. A perda rouba um pouco da nossa prepotência, nos humaniza, nos faz perceber que perder é ingrediente essencial da vida sim e que isso não é o fim do mundo.

Quando perdemos, precisamos recorrer a um plano B. Precisamos nos reinventar, sobreviver. Quando perdemos um grande sonho, perdemos muito do nosso medo da vida. Paramos de encarar a vida como uma gincana maluca em que precisamos acumular pontos. Viver é uma experiência misteriosa e aprendemos a aceitar o que nunca poderemos ver ou conhecer a duras penas. Ninguém mergulha realmente no mistério realizando cada um de seus desejos. Não é sorrindo e recebendo que aprendemos realmente algo que vá além das habilidades meramente humanas.

A consciência e a aceitação de que não teremos tudo o que queremos por mais que queiramos e lutemos nos liberta da necessidade de capturarmos certezas. Nos centramos em regras e fórmulas fechadas quando prosperamos. Nos agarramos a verdades absolutas como se elas fossem um receituário para a felicidade, um caminho garantido para conseguir o que se quer. Já busquei muito por este receituário sem jamais encontrá-lo. Mergulhei em minha própria impotência diante da vida e foi a partir deste momento que comecei timidamente a encontrar a minha força.

Não sou próspera nem bem resolvida. E provavelmente nunca terei o que mais quero ou ainda posso deixar de querer se eu conseguir. Quantas vezes não realizamos um sonho quando ele perde o brilho para nós? Quantas vezes não recebemos uma oferta de trabalho quando já temos outros planos? Quantas vezes não temos a oportunidade de viver um romance quando o desejo já passou?

Mas não sou uma covarde porque flerto com minha própria finitude. Sim, a perda de um grande sonho nos liberta da obrigação de sermos felizes. Nos faz entender que nem tudo depende de nós. Que nem sempre podemos tudo mesmo lutando muito para isso. A busca incessante e desesperada da felicidade é o melhor atalho para a infelicidade. Às vezes é preciso deixar-se abraçar pela dúvida e ser conduzida por ela na caótica dança do destino.








Viciada em café, chocolate, vinho barato, filmes bizarros e pessoas profundas. Escritora compulsiva, atriz por vício, professora com alma de estudante. O mundo é o meu palco e minha sala de aula , meu laboratório maluco. Degusto novos conhecimentos e degluto vinhos que me deixam insuportavelmente lúcida. Apaixonada por artes em geral, filosofia , psicanálise e tudo que faz a pele da alma se rasgar. Doutora em Comunicação e Semiótica e autora de 7 livros. Entre eles estão "Como fazer uma tese?" ( Editora Avercamp) , "O cinema da paixão: Cultura espanhola nas telas" e "Sociologia da Educação" ( Editora LTC) indicado ao prêmio Jabuti 2013. Sou alguém que realmente odeia móveis fixos.