Em todas as eras tivemos amantes da ignorância, não é de hoje que descobrimos tribos que se dizem “cultura” por amarem a falta de cultura. A cultura da não cultura. Quando digo cultura — a verdadeira cultura — entende-se aquela herança milenar em que povos e mais povos, de variadas matrizes, labutaram evoluções técnicas e intelectuais para que hoje pudéssemos falar, por exemplo, de ética, estudar grandes sistemas de pensamentos, debater sobre a possibilidade do transcendente, andar em confortáveis automóveis, digitar em nossos PCs, e até mesmo beber aquela cerveja no final de semana. Isto tudo não veio do nada, não surgiu de nenhum portal hollywoodiano. Foram necessários homens e mulheres dedicando suas vidas inteiras em cima de livros, em testes laboratoriais e em observações microscópicas ou telescópicas. Eu sei, isto é obvio. Mas vivemos em uma era onde os jovens acreditam piamente que a maconha é uma espécie de milagre natural. A demência como sinônimo de saúde e o óbvio como sinal de intolerância.

Porque digo isto? Porque ontem voltando para minha casa, em um distinto ônibus lotado aqui da minha cidade, escutei de uma adolescente muito bem tatuada, diga-se de passagem; muito bem furada com, talvez, uma dezena de argolas, diga-se de passagem. Escutei desta menina que estava encaixotada comigo naquele lugar mais compacto que o cérebro da Dilma: “eu não leio mesmo, ler é chato, ler é coisa para quem tem tempo”. Confesso, e vocês podem imaginar, eu não estava lá muito feliz dentro daquele ônibus; gordos já suam por natureza, até mesmo no frio, imaginem sob 35 graus, às 16 horas, dentro de um ônibus lotado de estranhos, dentre eles, outros gordos e gordas como eu. Respirei fundo, tentei desviar o pensamento para não me focar na burrice autoproclamada daquele ser exótico.

Veja, aqui vale fazer um adendo, você pode me questionar: você acha então que o conhecimento somente se adquire por leituras? Se foi isto que deixei transparecer, é porque eu fui bem-sucedido ao me expressar. É exatamente o que eu afirmei. Não é chato ler um livro, chato é ser burro!

Me controlando, engolindo minhas palavras, eu me segurei e logo ela desceu para aumentar sua cultura, quem sabe, com mais uma tatuagem. Afinal, ainda havia espaço nos cotovelos e, obviamente, o seu tempo não era gasto com livros e sim “gibizando” a si própria; muito mais proveitoso que uma boa literatura de Machado de Assis, óbvio. Estamos ensinando as nossas crianças que ler é algo retrógrado, que se pode fazer alta cultura vendo vídeos no YouTube ou repetindo discursos decorados de militância que decoraram de outros, que decoraram de outros, e nesta cadeia quase infinita se depara com um Ens primeiro, a Marilena Chauí, por exemplo. Nossa nação aprendeu que esperteza é sinal de sapiência, que ser malandro é virtude e ser virtuoso é coisa de mané.

O livro é a porta que abre caminhos para qualquer grandeza que se pode ser galgada, e aqui não se trata apenas de grandeza no sentido monetário. Ser rico não é sinal de inteligência. O conhecimento é um bem que ninguém pode lhe tirar, a grandeza humana é algo que ninguém pode lhe tirar, a graça de conhecer bem algo é uma riqueza que não pode ser somada; aquilo que ninguém pode lhe tirar é algo muito mais digno do que qualquer fortuna. Enquanto não estivermos com estas ideias bem definidas em nossas cabeças continuaremos tendo vários tolos opinando tolamente sobre tudo! Afinal, malandro é malando e mané é mané.