As duas amigas conversavam enquanto engoliam o sorvete; blasfemando sobre o pecado calórico que estavam cometendo. Elas eram bonitas e caberiam perfeitamente em qualquer calça jeans número trinta e oito. Tinham uns trinta e poucos anos.

— Eu não sei o que acontece com ela! A vida dela é toda perfeita! Ela nunca passou por nada de ruim na vida. Sempre foi a boazinha. Agora se casou, teve uma filhinha. Nunca sofreu, sempre namorou esse cara e agora vivem super felizes.

—Ai, eu queria um amor assim, que ódio! Ontem nem fui à academia para não ter que olhar para a cara daquele imundo. À noite, tomei duas doses de vodca para dormir.

— Ódio eu estou da minha chefe, gorda, desgraçada. Acha que eu sou estagiária. E meu pai ainda vem me dar lição de moral quando eu reclamo do trabalho. Só porque está me ajudando a pagar a pós. Preciso arrumar um homem urgente, amiga, para me tirar dessa vida…

— Eu também, tô muito carente, acho que hoje à noite vou chamar o…

— Não faça a burrada de sair com aquele Buda! Tá louca? Barrigudo, mala, metido a artista. Olha para você, toda linda! Um cara que sai de chinelo para a rua”, para mim não serve.

Se fossem ali questionadas, elas certamente diriam que procuram e querem um amor. Querem amar, querem ser amadas. E sabem qual a única razão pela qual não estão “superfelizes” como a “amiga” a que se referem? Por uma questão de espaço.

Dois corpos não ocupam o mesmo lugar, regra básica da física, que serve também para o amor. Não há amor, nem felicidade, nem paz onde se cultiva e se prolifera o ódio, a inveja e o preconceito. Sem demagogia, o discurso delas é comum e poderia ter sido de qualquer um de nós; todavia, o discurso vem do pensamento e o pensamento é que rege as nossas ações. E então vem a pergunta: como o amor pode chegar a elas?

Não há como amar, tampouco ser amado, quando as suas ações são regidas por sentimentos que o afastam o tempo todo. Um olhar de ódio para tudo e para todos leva a um vício: o de reclamar. Se nada for bonito, encantador, terno e apaixonante, a vida será sem graça, é óbvio. O amor precisa de espaço para entrar, para chegar. Precisa de portas abertas, de olhar calmo, de leveza, de paixão, de sorrisos e, se houver arte, se houver música, vai ser mais fácil.

Em meio à correria dos sorvetes engolidos sem “tesão” algum, num mundo onde as academias são os únicos lugares para que seres da espécie humana se entreolhem e se escolham, há pouco espaço para o amor. O ódio, a inveja e o narcisismo adoeceram a raça humana, que parece ter se esquecido dessa necessidade tão básica que temos do afeto.

Antes dos 18 anos, meninas riem das amigas “ainda” apaixonadas; elas buscam por curtidas, por comentários, xavecos virtuais e por serem desejadas, para que, aos 30, estejam como as protagonistas do início desse texto — cheias de ódio, de desesperança, impregnadas por uma incapacidade de deixar que algo bom saia de suas bocas. Reclamam o tempo todo, odeiam, invejam, xingam e acreditam piamente que, um dia, vão encantar alguém.

As pessoas estão perdendo o encanto e o tesão: pela vida, por nós mesmos e, claro, pelo outro. Sem amor, adoecemos — Buda, Cristo, a mitologia grega e a psiquiatria já provaram isso. Odiar é um vício que se alastra, é feito uma bactéria que se procria em todo o ser da espécie humana.

Talvez o amor seja a única salvação, talvez seja a única coisa que realmente valha a pena na vida, mas ele se tornou um estranho para muita gente. Uma grande parte das pessoas não o conhece, nunca o viu — tornou-se solo infértil para ele, parece criar um campo magnético de repulsa ao afeto, exatamente por estar impregnada pelo seu oposto — o ódio.

Da citação de coríntios ao dizer que “sem amor eu nada seria” até os Estúdios Disney terem finalmente mostrado que o beijo de amor pode ser até entre duas irmãs, a humanidade tem sido — o tempo todo — “avisada” sobre como proceder para ser feliz. O trânsito, a política, os seus pais e a sua chefe não seriam problema se houvesse mais amor e o tão sonhado amor para toda a vida seria uma realidade se simplesmente nos dispuséssemos a cultivá-lo. Há apenas um único obstáculo, o ódio, e ele pode estar atrapalhando. Vire a chave, experimente amar mais; se funcionar, escreva-me contando — eu adoro histórias de amor.








Psicóloga, psicoterapeuta, especialista em comportamento humano. Escritora. Apaixonada por gente. Amante da música e da literatura...