Outro dia ouvi a frase num seriado: “A ignorância é uma bênção”. Pois há um momento, antes da tempestade chegar, em que ainda é possível desfrutar a inocência de não saber. O doce sabor de ignorar todo caos que se aproxima.

Antes da “meia noite”, antes do pior diagnóstico, antes de conhecer a verdade, antes de ter que lidar com todas as consequências. Você não sabe, mas nuvens estão se formando acima de sua cabeça enquanto você simplesmente ignora.

A ignorância é uma gaveta fechada cuja chave não possuímos. E determina um período em que você tem que dar graças por estar vivo, em segurança, de alguma forma feliz e em paz. Enquanto não possui as chaves, não precisa lidar com o interior.

Toda família tem seus segredos. E, no decorrer da vida, descobrimos alguns que talvez preferíssemos ignorar. É necessário coragem para lidar com a nova realidade_ o que é no lugar do que era_, apesar do desejo de mantê-la guardada, bem fechadinha, num criado-mudo_ e surdo.

Todo mundo sabe o quão difícil é botar ordem nas gavetas. E nos acomodamos como observadores de nossas vidas, adiando o momento de agir.

Aquilo que você adia diz muito sobre você. Gavetas transbordando de caos também.

Porque preferimos ignorar certas verdades, realidades, acontecimentos, fatos. Não correr o risco de encará-las. Esperar (não sei o quê) para depois ter tempo de.

A verdade liberta e aprisiona. Aprisiona porque nos obriga a encarar a realidade. E a realidade pode ser uma gaveta cheia de tranqueiras, papéis amassados, literatura apagada, lingeries para lavar, roupas que há muito não servem mais, retalhos de um tempo que se esgotou.

Adiamos nossas arrumações interiores porque é mais fácil ignorar nossas falhas, nossas desordens, nossa inabilidade de lidar com o que quer que seja.

Conheço gente hábil em arrumações externas e pouco aptas para arranjos internos. Estão abarrotados de velhos sentimentos, medos antigos, amores expirados.

Vivem reciclando contratos com a dor, com a desilusão, com normas primitivas que estabeleceu para si. Não reveem suas leis, não permitem novos vôos.

Não dão espaço para que chegue o novo_ É preciso criar espaços…

Com chaves em mãos, não dá para adiar a faxina, empurrar de volta e fazer caber tudo que já não serve mais. É hora de assumirmos, revelarmos nossas verdades_para nós, para o mundo_ tomar o que é nosso e fazer daquilo que é, o melhor que pudermos.

Somos co-autores da vida que nos pertence_com todas as boas a más notícias.

Com sorte, aprendemos a mergulhar. A reparar nossos erros. A levantar depois do tombo. A subir à superfície para respirar. A encontrar novos jeitos de sobreviver.

A ignorância é uma bênção, mas a verdade sempre nos alcança.

Independente da maneira como você deseja que seja, a existência se encarregará de lhe entregar as chaves. E invariavelmente terá que usá-las _ quer queira ou não.

E assim, assumir sua vida. Sua vida e ponto final.








Nasceu no sul de Minas, onde cresceu e aprendeu a se conhecer através da escrita. Formada em Odontologia, atualmente vive em Campinas com o marido e o filho. Dentista, mãe e também blogueira, divide seu tempo entre trabalhar num Centro de Saúde, andar de skate com Bernardo, tomar vinho com Luiz, bater papo com sua mãe e, entre um café e outro, escrever no blog. Em 2015 publicou seu primeiro livro: "A Soma de todos os Afetos" e se prepara para novos desafios. O que vem por aí? Descubra favoritando o blog e seguindo nas outras redes sociais.