Calma João, hoje será bem melhor que ontem!

João acordava todos os dias bem cedo, na verdade, antes mesmo do sol dar suas caras. Tentava inutilmente não fazer barulho para não despertar o sono de sua esposa. Ana, certamente estava cansada. Trabalhou até tarde fazendo biscoitos para complementar a renda da família. Desempregada, lutava contra as despesas que tinham com os três filhos e que aumentavam cada vez mais.

Passou no quarto onde os pequenos repousavam. Olhou-os por alguns minutos, por entre a fresta da porta branca de madeira descascada. Como de costume, fez sua prece diária. Pediu por dias melhores e por uma vida menos sofrida. Agradeceu a comida que tinham na mesa. Nenhuma fartura, mas digna. Sua oração foi interrompida pelo pensamento: precisava juntar os últimos trocados para pagar a segunda fatura de luz, que vencia naquele dia.

Tapou o mais novo com a coberta fininha, judiada pelo tempo. Beijou sua menina mais velha na testa e acomodou nos braços dela a boneca que havia feito durante um mês horas extras para conseguir comprar no Natal anterior. O do meio, percebeu a presença do pai, ensaiou algumas palavras, mas foi vencido pelo sono e adormeceu.

Seguiu para cozinha, esquentou a água e suspirou. O café já estava posto com todo carinho no bule lascado de porcelana, presente de sua tia, de casamento, aquela que morava lá longe, na cidade grande.

Ao lado, sua esposa também deixou quatro fatias de pão dormido, com um bilhete escrito no papel de embrulho: não perca a fé, querido. Hoje, será bem melhor que ontem.

Pegou sua maleta de ferramentas e saiu. O caminho era longo. Chegou no seu trabalho, ensaiou sua melhor cara de alegria e entusiasmo. Nem bem se aproximou do seu posto e foi surpreendido por seu chefe. Sem jeito, desajeitado, não sabia como dizer que, por redução de custos, a bola da vez era João. Novamente, desempregado.

Arrastou seus pés, um passo após o outro, pelas ruas de chão batido da cidade onde nascera. Maldisse sua sorte, sua vida, seu passado, presente e futuro. Desesperou-se. Não sabia como dar a notícia em casa. Por Deus, como faria?

Sentou nos trilhos do trem, pôs a maleta ao lado. Tirou os velhos calçados que apertavam seus calos. Não sabe por quanto tempo se deixou ficar na velha ferrovia. Não sabia mais o que fazer. Repousou sua cabeça no casaco que tinha tirado. Lembrou de sua infância, quando tomava banho com seus amigos no rio ali pertinho. Do outro lado, o campinho de futebol improvisado, entre a plantação de milho e a casinha de madeira do seu Joaquim. Naquela época, era feliz e não sabia.

Perdido em seus pensamentos, quase não escutou o barulho do assobio que se aproximava. Se não fosse o tremor do chão, acho que João não teria a mesma sorte. Num lampejo, mais veloz que trovoada de verão na roça, juntou seus trapos e jogou-se no pasto. Susto assim, só lembrou de um em toda sua vida. Quando era pequeno e terminou a luz da lamparina, justo em noite de lua cheia, quando temia o lobisomem.

Ajoelhou-se no chão. Pediu perdão pela besteira que quase acabou fazendo minutos antes. Lembrou de Ana, sua amada Ana. Pensou em seus amados filhos.

Lindos, arteiros e indefesos. Foi correndo para casa, mais rápido que suas pernas cansadas podiam correr. Quando lá chegou, antes mesmo de passar pelo portão com a plaquinha pendurada na árvore da goiabeira, sorriu ao ler: Morada da felicidade. Que ironia, pensou!

Na frente da varanda, seus filhos brincavam. Os meninos de bola. A princesa, com a mesma boneca que estava abraçada ao nascer daquele dia. Foram os três, correndo ao seu encontro, derrubando o patriarca no chão. Ao levantar-se, depois de ali deixar ficar alguns minutos, sentindo o perfume do cabelo da menina e o cheiro do suor de seus artilheiros de pelada, viu que as duas cadeiras de balanço, estavam ocupadas. Numa, Ana, linda, num vestido florido, aquele que usava para ir à missa, aos domingos. Na outra, seu padrinho, Tonico.

Perguntou a ele que boas novas o trouxeram ali. O velho robusto, após mascar o fumo que estava em sua boca e cuspi-lo, disse sem cerimônia. Decidiu ir com dona Margarida, sua esposa, morar na cidade grande. Lá estavam seus filhos e netos. Tinha uma padaria com fornadas de sonhos fresquinhos e deliciosos todas as manhãs. Ele, jogaria carteado na praça com os amigos. Sua companheira, faria trabalhos voluntários no asilo.

João ficou feliz pelo casal. Tão feliz, que quase não acreditou quando seu padrinho anunciou que deixaria a mercearia para ele e para Ana. Chorou como há muito tempo não fazia. Secou suas lágrimas e seu pranto no pano do vestido de sua esposa. Os filhos, assustados, estranharam. Nunca tinham visto o pai chorar assim, não de felicidade.

E, num piscar de olhos, numa fração de segundos, refez todo o seu dia, desfazendo seus erros e fraquezas: pediu perdão a Deus. Agradeceu. Lembrou a frase naquele papel de pão: não perca a fé, querido. Hoje, será bem melhor que ontem.

Descobriu, quando acreditava nada mais ter a aprender, o que é fé. E, depois desse dia, João foi só alegria. Quer dizer, uma boa parte. A outra, já estava completa. Já estava tomada. A gratidão e a esperança não deixaram espaço para mais nada.








Jornalista, balzaquiana, apaixonada pela escrita e por histórias. Alguém que acredita que escrever é verbalizar o que alma sente e que toda personagem é digna de ter sua experiência relatada e compartilhada. Uma alma que procura sua eterna construção. Uma mulher em constante formação. Uma sonhadora nata. Uma escritora que busca transcrever o que fica nas entrelinhas e que vibra quando consegue lançar no papel muito mais que ideias, mas sim, essências e verdades. Um DNA composto por papel e tinta.