Há felicidade no cotidiano, há serenidade na tempestade. Talvez seja essa uma das maiores lições que tenho tido com o isolamento social.

No modo automático, espetacularizado, cheio de auto afirmações virtuais e modus operandi consumista em que vivemos, a vida de cada um precisa ser sempre repleta de grandes acontecimentos, êxtases quase etéreos, risadas gigantescas e conquistas hercúleas, senão a vida não é feliz e não está sendo vivida direito.

Mas no meio desse grande palco em que vivemos em sociedade, de repente tudo foi virado de cabeça pra baixo: não podemos sair, nossas vivências são contidas em nossos lares, nossa capacidade de consumir – seja por razões logísticas, seja por motivos financeiros – está restrita, nossos dia-a-dias estão repletos de banalidades da rotina, em que a maior novidade talvez seja mesmo a nova receita que você testou ou um broto de flor que surgiu no seu vaso da janela do apartamento.

Apesar de toda a angústia que essa pandemia representa à saúde e à vida de todos nós, apesar da inquietação que causa a restrição da liberdade, apesar de todo o medo que temos sobre o futuro incerto… há também uma certa apaziguação dada pelo isolamento e seus efeitos.

Cessou a competição por vidas perfeitas, excitantes, dinâmicas.

Famosos, influenciadores, amigos ou conhecidos, todos nós estamos diante de alguma restrição.

Nossos “feeds” estão preenchidos por vidas “comuns”, afazeres domésticos, momentos banais e vivências cotidianas, e isso traz um certo alívio que não usufruímos ao ver nossas redes sociais lotadas de performances.

Agora, parece que há mais tempo para vivermos as coisas de forma mais genuína, autêntica… nos dedicarmos àquilo que gostamos, independentemente do efeito que isso vai causar nas redes sociais.

Vemos dias mais calmos, desacelerando nossa inquietação constante por estímulos externos e fantásticos, nos permitindo ver e saborear a felicidade dos pequenos e singelos momentos.

Como ler deitado na rede aquele romance parado há anos, ouvir músicas antigas ou novas descobertas de olhos fechados e sem pressa, nos permitirmos momentos de puro ócio, sem objetivos e linhas de chegada.

Permitindo-nos afagar demoradamente nosso animal de estimação, cozinhar aquela receita demorada e complicada que sempre deixa pra depois na correria dos dias, descobrir que lavar a louça com música é quase uma forma de meditação, começar a escrever aquele livro que sempre sonhou ou compor aquela música que está nos seus pensamentos há anos.

Dar tempo àquelas conversas sem propósito, sobre assuntos diversos, ou simplesmente apreciar o silêncio de um demorado cafuné.

Passar 48h de baixo das cobertas comendo porcaria e sem tirar o pijama, ou podar suas plantinhas e vê-las brotar pelo seu cuidado diário ao invés de morrerem por falta de zelo.

Descobrir que há uma alegria em coisas tão pequenas, principalmente aquelas que sempre deixamos pra depois sob às desculpas de que não há tempo, mas que no fundo trazem mais satisfação do que outros tantos momentos que nem são tanto assim pra você, mas são mais para os outros.

Perceber que há felicidade em não se sentir obrigado a nada, em não se sentir numa incessante corrida em rodinhas de hamsters, em que cada um compete com o outro sem sair do lugar. Contraditoriamente, sentir-se mais livre mesmo confinado.

Há ainda uma certa serenidade imposta pela absoluta falta de controle. Mesmo para mim, uma pessoa afetada constantemente pela ansiedade (e a ansiedade nada mais sendo do que um sofrimento pelo futuro e uma necessidade de controlá-lo no presente), parece que essa incerteza tão grande e avassaladora, ao invés de criar um pânico como jamais antes visto, trouxe paz.

Quando o futuro da humanidade toda está sob uma inexatidão tão ampla, você enxerga com toda a certeza o quão pequenos somos e como a inconstância é a única constante; vislumbra como não temos todo esse poder e essa rédea curta que tantas vezes pensamos ter. E isso, ao invés de te aprisionar, te liberta. Algo no estilo do “o que não tem remédio, remediado está”.

E assim, tem sido um dia de cada vez, em que fazemos o que é possível fazer, em que somos felizes agora e não infelizes hoje, porque amanhã poderemos ser infelizes, ou felizes, só amanhã, se um conjunto de circunstâncias ocorrerem juntas; em que entendemos que a vida é um sopro e por isso mesmo ser feliz em cada instante dela que pudermos ser é algo mandatório, que perder um segundo que seja sofrendo por algo fora do seu controle e ainda sem certeza de acontecer é perder um segundo de vida estando vivo; e que nada, principalmente nenhuma agonia fictícia, nos prepara para o futuro.

Na verdade, nada nos prepara melhor para o que vier do que viver intensamente os momentos presentes na maior potência de sua alegria.

Quem diria que a liberdade viria escondida em tanto isolamento?

E a felicidade também.








Formada em Direito, escritora por necessidade de alma, cantora e compositora por paixão visceral. Só sabe viver se for refletindo sobre tudo, sentindo o mundo à flor da pele. Quer transmitir tudo que apreende (e aprende) por todas as formas criativas possíveis.