Um dos filmes mais sensíveis e deliciosos dos últimos tempos “ Grande Menina, Pequena Mulher” ( Uptown Girls -2003), ensina a arte se ver através das aparências.

O filme conta a história de Molly Gunn, interpretada pela falecida e extremamente expressiva Brithany Murphy, e a sempre talentosa e precoce Dakota Fanning, como Ray.Schleine.

Molly é filha de um famoso cantor de rock. Após a morte de seu pai, ela conta somente com algum dinheiro no banco e as guitarras valiosas de sua famosa coleção. É uma jovem deslumbrada, atrapalhada, e que só tem a preocupação de curtir a vida ao máximo, sem o peso das responsabilidades. Vive uma vida de festas, e desfruta da réstia de glamour e glória herdadas através da fama de seu famoso pai. Acaba se apaixonando por um cantor de rock em busca de ascenção, Neil Fox.

Sem maturidade emocional , ela se envolve e se entrega de maneira intensa a esta paixão, mas logo a personalidade carente, infantil e insegura de Molly, a leva a perder seu belo crush, que a pede um tempo, alegando que precisa de espaço e esse  blá blá blá que a gente conhece bem ou conhecerá, em algum momento da vida ( espero que não). Molly fica arrasada, pois tinha em Neil uma tábua de salvação. Haviam feito um pacto de estarem sempre unidos, mas Neil, sentindo o peso da cobrança da relação e almejando a fama, abre mão da jovem por achar que um novo romance, no momento, atrapalharia sua carreira profissional.

Como desgraça  pouca é bobagem, Molly ainda enfrenta uma ação de despejo e  se descobre falida. Sem parentes próximos, na rua da amagura, literalmente, ela se vê obrigada a pedir morada aos seus dois únicos fiéis amigos, Ingrid (Marley Shelton) e Huey (Donald Faison) . A princípio, Molly vai morar com Ingrid, mas logo os temperamentos e opiniões divergentes abalam a amizade e ela então pede abrigo na casa de Huey, um produtor em ascenção, descolado e galanteador. É ele quem produz Neil,que rapidamente ganha espaço na indústria musical através de Roma Schleine ( Heather  Locklear)

Infelizmente, em meio a sua vida desregrada, ela acaba sendo roubada. Incapaz de custear sua vida, ela acaba indo trabalhar como babá  na casa de Roma, graças a um pedido de seu amigo Huey.

A partir de então, sua vida se cruza com a de Ray,uma menina precoce e ansiosa de 8 anos “quase chegando aos 40”, obcecada por germes e com mania de perfeição. Distante emocionalmente da mãe, Ray foi criada por babás, sem qualquer estabilidade emocional ou vínculo afetivo. Por esta razão, como protesto, tenta controlar tudo o que pode à sua volta.

Molly nunca precisou ter responsabilidade, enquanto Ray carrega o peso do mundo. Uma vai ensinar à outra como se comportar de acordo com a própria idade.

É sobre a sutileza mágica do encontro improvável entre duas pessoas num mundo tão vasto. Ray é uma menina que desfruta de tudo o que uma garota rica precisa. Quase a mesma vida que Molly, outrora, houvera vivido.

A exceção, é que Ray mora num lar repleto de objetos, mas vazio de amor. Com o pai em coma induzido e uma mãe totalmente ausente, a menina desenvolve uma fobia hipocondríaca. Extremamente amarga e obsessiva, Ray se comporta como uma adulta, pois é cercada de problemas do mundo dos adultos. 

A menina retrata vários lares. Crianças repletas de objetos, mas isentas do primordial: AMOR.

A mãe simplesmente a presenteia e a deixa sozinha no quarto brincando com seu jogo de chá de bonecas  de porcelana, o qual a menina nem pode realmente desfrutar como deveria,por ser extremamente caro. Ray, é a personificação do abandono.

Faz parte da triste estatística de gerações compostas por retratos felizes, mentes tristes. A personalidade libertária, displicente e sem freio de Molly choca a menina por ela representar Liberdade,tudo o que a criança anseia,mas que não possui,pois está presa dentro de sua infelicidade.

Ray não consegue se ver ou agir como uma criança de 8 anos e a atuação espetacular de Dakota, superior a de muitos atores experientes, emociona.

O olhar lânguido, vazio, que anda na multidão sem o brilho e frescor próprio dos infantes, a quase morte interna, realmente impacta. Nada mais justo do que afirmarmos que os olhos são o espelho da alma, pois de fato vemos a dor,a solidão e a tristeza refletidos no olhar de Ray.

Molly é determinada e, embora infantil para sua idade, percebe isto e passa a desafiar Ray. Para forçar a menina a fazer coisas próprias de sua idade, ela usa ,sem saber,a psicologia inversa com a menina e passa ,a partir daí, a conseguir quebrar a barreira que Ray elevou em torno de si. A menina teve que aprender a se virar sozinha logo cedo.

Toma inúmeros remédios, uma cena lastimável, contudo, extremamente real. A depressão infantil nunca fora retratada tão claramente. A descoberta de um novo mundo, sob outro prisma. À medida que vão convivendo juntas, elas descobrem afinidades e passam a se tornar o que realmente são: uma mulher, e uma menina.

Ray consola Molly ao ter o coração partido  por Neil e Molly se torna abrigo ao Ray perder seu pai e não ser aninhada pelo afago materno,tão anseado,tão necessário.

Ray é a prova viva de que há certas coisas que o dinheiro não pode comprar, como verdadeiro sentido da importância de uma vida com afeto.

Neste meio tempo, Molly assiste ,de longe, o sucesso de Neil,que,a esta altura, está arrependido de ter perdido a jovem.

Para demonstrar isto, ele cria uma música baseada no romance dos dois, no intuito desesperado de resgatar o amor da moça. Sem sucesso. Ele a rejeitara antes de ter sua carreira impulsionada. O que faz Molly se sentir descartável e sem importância.

Molly,a esta altura, está se ajeitando e assumindo as rédeas de sua vida. Amadurecida pelas agruras da vida, ela finalmente se encontra. E então, o improvável acontece.

Durante uma a presentação de balé, Molly, que a esta altura já não é mais babá de Ray, e tem se tornado estilista de roqueiros, é surpreendida na plateia pelo ex, numa belíssima apresentação da pequena bailarina Ray, que dança suave e encantadoramente, ao som de “ Molly Smiles” ( O sorriso de Molly), música criada por seu pai para ela e interpretada pelo ex, Neil, no palco, numa das cenas do cinema que acho mais lindas e que funcionam perfeitamente como um sincero pedido de desculpas.

Neil arrematara, secretamente, todas as guitarras de seu pai num leilão e não poderia escolher hora mais oportuna para se redimir publicamente num honroso ato de amor . Como resistir? Mais romântico, impossível.

O filme segue com uma mensagem forte e atual. No caminho, é comum que nos sintamos perdidos e em dado momento façamos más escolhas. A vida,não é fácil para ninguém.

Há lutas,conquistas,risos,lágrimas, amores,desamores, mortes, nascimentos. Enfim, em meio a este turbilhão, nos arriscamos nos perder na multidão ao contemplar as miríades de estrelas,quiçá buscando brilhar tão reluzentemente quanto uma.

Todavia, assim como o brilho do Sol se anuncia no horizonte a cada nascer do dia, e se esvai ao cair da noite, o brilho das estrelas também é ofuscado ao raiar do dia. Viver, é a arte de sobreviver ao que é mutável. É saber usufruir da incerteza e recriar uma nova razão de viver, a cada dia. É resgatar e se perder numa sucessão de tentativas de encontro à busca pelo acerto.

“Grande menina, pequena mulher” é a exemplificação perfeita de que, acima de tudo, viver, é para os que se atrevem. É um honroso ato que exige ternura e indômita coragem muito além das aparências.








Sou jornalista de espírito vintage, que ama compor músicas ,pintar, e escrever sobre assuntos voltados à compreensão das relações humanas e da profundidade da alma. Acredito que as duas maiores forças que possuem o poder de mudar o nosso dia a dia são o Amor e a Empatia. Grata por compartilhar com vocês esta jornada.