Muitas vezes a gente só entende o quanto o agora é especial quando ele deixa de representar o “posso fazer” para se transformar no “poderia ter feito”, quando o tempo, esse sujeito sem rosto, vai passando e deixando para trás todos os sonhos que a gente sonhou, os abraços que a gente não deu, as palavras que a gente calou, os riscos que a gente não correu, os voos que não passaram de tímidos passos, as portas que, por medo do que encontraríamos do outro lado, não abrimos, mesmo tendo todas as chaves nas mãos. Muitas vezes a gente só entende o quanto o agora é especial quando, cansados demais de nos encolhermos para cabermos em mundos às vezes tão vazios, olhamos para trás e percebemos que passamos uma vida inteira tentando nos tornar o que esperavam que a gente fosse. E não quem a gente realmente queria ser.

A cada dia me convenço mais de que a vida é preciosa e curta demais para ser postergada, como se tudo dependesse de algo que não pode ser encontrado no agora, mas que só faz sentido no depois. “Quando isso ou aquilo acontecer, aí sim, eu poderei ser feliz”. E então nos deparamos com um outro medo nosso: “E se isso ou aquilo que eu tanto espero nunca acontecer de fato? E se acontecer e não for exatamente como eu imaginava que seria? E se depois do isso e aquilo, ainda assim, eu continuar me sentindo infeliz?”.

E se. Temos transformado a nossa passagem na Terra num campo vasto de “e ses” que talvez nunca aconteçam do jeito que a gente imagina. Medos puramente emocionais que vão ocultando da gente pequenas alegrias, gerando ansiedades e culpas desnecessárias, limitando passos, enterrando sonhos e minando, pouco a pouco, a nossa capacidade de viver o agora com presença efetiva, como a criança que a gente era: que construía aviões com embalagens de shampoo, vestia a fantasia do super-herói predileto e não tinha medo algum de ser simplesmente quem ela quisesse ser.

Viramos adultos medrosos

E se não der? E se eu errar? E se Fulano não entender? E se Ciclano não concordar? E se eu me arrepender depois? E se cair no ridículo? E se fizer papel de bobo? E se tudo não for como eu imaginava? E se eu não der conta? E se eu fracassar? E se? E se? E a coisa toda se perde no tempo que se perdeu.

Racionalizamos demais. Planejamos demais. Calculamos demais. E a verdade é que estamos vivendo de menos, como se toda a felicidade que pudéssemos sentir e todo o sucesso que pudéssemos desfrutar só pudessem ser materializados de fato num futuro distante, como se estivéssemos sempre à espera de um momento perfeito para fazer o que quer que seja na nossa vida. Antes disso, não dá. Não tem como. Não tem jeito, entende?

Somos a geração do depois

Depois da formatura. E, então, a formatura chega e você continua sem fazer absolutamente nada a respeito.

Depois que eu receber aquele dinheiro. E, então, você recebe aquele dinheiro e começa a acreditar que ele ainda não é suficiente. E que precisa juntar um pouquinho mais.

Daqui a dois anos. E dois anos depois, aí está você, esticando esse prazo eterno para dois ou três anos a mais.

Depois do casamento. Depois que o filho nascer. Depois que o filho for para a escola. Depois que o filho fizer 18 anos. Depois da separação. Depois que você emagrecer. Depois da mudança de casa. Depois que você concluir aquele projeto que não tem nada a ver com você, mas que você “não teve como deixar de fazer”.

Depois. Porque agora é impossível. Agora não tem jeito. Não dá mesmo. Será?

O que existe de tão mágico assim no depois?

Na nossa idealização, construímos um depois encantando, um depois em que tudo é possível, em que tudo pode ser resolvido, em que as coisas se ajeitam e a felicidade parece bater à nossa porta como aquele amigo que a gente sabe que precisa encontrar mais, mas que, na correria do dia a dia, a gente só consegue dizer: “temos que marcar um encontro depois”.

E é aí que a coisa toda se perde de novo, porque a felicidade não é exatamente um ponto de chegada, assim como a amizade: não é uma coisa grande, mas uma porção de coisas pequenas, entende? Coisas que vão sendo construídas no dia a dia, que se materializam no presente com tanta intensidade que a gente não precisa de olhos pra ver; a gente simplesmente enxerga. E sente. Não depois, mas agora.

É na trajetória que a mágica acontece. E eu não consigo pensar numa trajetória que não seja construída de agoras, com todas as suas dores e delícias, medos, descobertas, luzes, sombras, pedras, flores, estacas, labirintos: a gente só cresce quando caminha. E se não se caminha, não se vive de fato.

O que aconteceu com quem você era?

Às vezes me pergunto o que nos fez tão medrosos. Quando eu era criança, sempre que me perguntavam qual era o meu sonho, eu respondia que queria morar na Terra do Nunca.

Você deve conhecer a história do Peter Pan, o menino que seria para sempre menino. Peter morava num lugarzinho encantado feito de sonhos. A Terra do Nunca. E, para ir para a Terra do Nunca, caso você não saiba, era preciso fazer três coisas: pensar numa coisa boa, acreditar nela do fundo do seu coração. E voar.

Várias foram as vezes em que eu subia no sofá da sala, pensava em algo como família, amor, empadinhas e chocolate e dava um salto no ar. Tombo. Queda. Às vezes eu ralava o joelho. Em outras, dependendo da forma que eu caia, eu ficava com os braços e as pernas roxas. Mas, todos os dias, incansavelmente, após assistir ao Peter Pan na TV, lá estava eu, pensando no que me fazia sorrir, depositando um pouquinho de fé e esperança. E saltando. Saltando. Saltando.

Pode parecer uma coisa boba, mas sempre que eu me vejo enredada nas minhas próprias desculpas, eu me lembro daquela criança matreira que não tinha medo do ridículo. Que tentava, apesar da queda. Que tentava de novo, apesar da ferida. Que se divertia no processo. Que não se importava com o que os outros iam pensar ou falar a respeito. Que acreditava. E, principalmente, que vivia o agora com tanta intensidade e presença que, ao olhar a cicatriz no meu joelho direito – uma lembrança daqueles voos de infância – sinto um orgulho imenso da pessoa que eu era.

Tudo bem, a vida real não é como a Terra do Nunca, a Lua de Cristal, a Floresta Encantada…

Quando você cresce, você entende que às vezes – na maioria das vezes até – não basta só acreditar. Acreditar é um ponto de partida, mas a caminhada envolve uma porção de outras coisas mais. Algumas, dolorosas e aparentemente injustas até. Outras, que exigem de nós uma força que a gente só descobre que tem quando é colocado à prova de maneiras que a gente nunca pensou que fosse aguentar.

Mas, olha, a gente aguenta, principalmente quando focamos numa coisa boa. E não, isso não é coisa de criança, mas coisa de quem entendeu que é onde colocamos a nossa atenção que a realidade existe. E as coisas florescem.

Não é porque o mundo às vezes nos parece cruel, injusto e amargo que temos que nos transformar numa pessoa que já não acredita em nada, nem em si mesma. Que temos que perder aquele brilho nos olhos que nos faz cultivar o sentimento de que vale a pena acordar todos os dias e viver. Que temos que nos moldar e nos deixar contaminar, principalmente porque não há ninguém que possa te derrubar e te destruir tanto quanto você mesmo.

Não é porque o mar está revolto que temos que abandonar o barco. Nem porque dizem que não vale mais a pena remar. Você, mais do que ninguém, sabe até onde ir. E sabe que, se for pra desistir, é porque aquela é uma luta que já não é mais sua, que já não faz mais sentido pra você: quando faz mais mal do que bem, é hora de recalcular a rota. Mesmo. Apesar de todos os pesares, apesar de tudo o que os outros possam dizer ou pensar sobre você.

Quem são os outros, afinal de contas?

Pergunta importante a ser feita, principalmente quando a necessidade de agradar e ser aceito parece ter resgatado em muitos adultos um lado infantil que nada tem a ver com arriscar e não ter medo do ridículo, mas, sim, com sentir-se desprotegido, carente e incapaz de andar com as próprias pernas.

Eis um outro lado da síndrome do Peter Pan (porque há de se analisar a coisa por um outro ângulo também): o medo de ser você mesmo no mundo real e de arcar com as consequências das suas escolhas é tão grande que você simplesmente se recusa a crescer e assumir responsabilidades pela sua própria vida. E ser contrariado também.

E então o peso do que diz o outro passa a ter uma relevância grande demais. E novos “e ses” vêm à tona: “E se me chamarem de fraco por eu ter desistido?”, “E se me chamarem de tolo por eu ter persistido?”.

Consulte o seu baú de lembranças e aprendizados significativos e verá que as pessoas que realmente te amam e se importam com você, mesmo que não concordem com o que você faça, vão continuar te amando e se importando com você.

Há muita sabedoria em cultivar um lado criança dentro de nós. E há muita sabedoria em assumir-se adulto também. Não é questão de ser um ou outro, mas de andar de mãos dadas um com o outro. Em harmonia.

De modo que desistir, às vezes, exige de nós uma coragem imensa.

E o depois?

Muito cuidado com isso: existe uma linha tênue que separa o que é insistir demais do que é desistir antes da hora, o comprometimento da teimosia, a crença cega em algo que não é mesmo para ser (porque já não vale a pena, porque não é o melhor pra você) da mentira do perfeccionismo que você conta para os outros e para si mesmo para, na verdade, encobrir os reais motivos do seu não agir: medos, inseguranças, crenças limitantes, preguiça e uma série de coisas mais.

Condicionados pelos “e ses” e em busca de um momento perfeito que, a bem da verdade, a gente sabe que nunca vai chegar, a maioria de nós tem ativado a tecla “depois” para viver o agora no “modo zumbi”, ao melhor estilo O Sexto Sentido: “Eu vejo gente morta”, dizia o personagem principal. “Com que frequência?”, perguntavam. “O tempo todo”.

Mortos de tédio, de medo, de cansaço, vamos empurrando com a barriga o que a gente sabe que não dá mais pra adiar. Mas que a gente adia assim mesmo. Porque é mais fácil. Porque dá menos trabalho. E porque, afinal de contas, tudo vai se resolver no depois, não é mesmo?

E então as pequenas conquistas deixam de ser celebradas com encantamento e gratidão. A felicidade de um momento simples deixa de ser percebida, porque a gente fica sempre esperando pelo extraordinário do que transborda. As louças bonitas ficam guardadas na estante, porque não tem nada de especial no dia a dia, assim como as roupas novas, que talvez a gente nunca vá vestir, os sabonetes, cremes e perfumes caros que, comprados para uma ocasião realmente especial, talvez a gente nunca vá usar (por medo de acabar – que ironia, não?).

Ironia.

Porque todo dia na sua vida é uma nova oportunidade que você está tendo para ser e fazer um montão de coisas, para recomeçar, para reconstruir, para olhar diferente… E, por isso mesmo, todo novo dia é um dia especial e deve ser celebrado. Com as melhores louças. As melhores roupas. Os perfumes mais cheirosos. Os sorrisos mais sinceros. Os abraços mais apertados. As palavras mais bonitas. Os pensamentos mais otimistas. A presença mais efetiva. O melhor de tudo o que você pode ser e oferecer para os outros e para você mesmo.

Depois não. Agora. Porque a única certeza que você pode ter na vida é esta: o momento presente. Todo o resto é projeção da mente.

A gente sabe, no fundo, a gente sempre soube. Não importa o quanto a gente deixe as coisas pra depois. Ou o quanto a gente queira ou não.

Só o agora é real.