Eu quero gente de verdade, que sente de verdade, pensa de verdade, se importa de verdade, se enxerga e vê o outro de verdade. De verdade. Eu não divido nem minha (sagrada) sobremesa com quem não entendeu ainda o conceito de reciprocidade.

Foi-se o tempo dos acúmulos de inautenticidades e futilidades.

Na vida, desde os bens que antes se acumulavam sem sentido no armário, até os pensamentos inúteis que apenas perturbavam a serenidade da alma, até as pessoas e relações que desgastavam ou que não acrescentavam.

A maturidade dá uma ideia cada vez mais encorpada do que é essencial, indispensável, e isso geralmente é bem menor do que a mala de 400kg de conquistas, popularidade, itens, expectativas, com que começamos a vida adulta.

Não há nada que eu veja com mais clareza hoje do que o que realmente importa em termos de relações humanas.

Não, não vou ficar mantendo relações-diplomacia, penduradas em frágeis sustentáculos de motivos frívolos, penduricalhos fúteis como a conveniência, os bons modos, a nostalgia do que já não é.

Meu tempo é curto demais nessa existência terrena para perder dias de vida falseando bem-querer.

Não, não vou mais fazer morada em quem não me faça sentir bem sendo quem eu sou, esse pacotinho complicado de qualidades e defeitos que se mescla num caldo de intensidade e sensibilidade cortante.

Não vou escancarar a porta do meu universo pra quem vai julgar o que está ali dentro, ou quem vai esperar a primeira rusga pra usar tudo contra mim.

Não, não quero desgastar verbetes com quem não me enxerga além do óbvio, do superficial, quem não se instiga pelo outro com faro de pesquisador emocionalmente envolvido.

Não, eu não divido nem minha (sagrada) sobremesa com quem não entendeu ainda o conceito de reciprocidade. Que se relacionar é um equilíbrio dinâmico entre dar e receber, e que o mundo não está à disposição ao seu bel deleite e desfrute.

Não, eu não vou convidar pra entrar, fazer o chá e por a mesa, para quem vier bagunçar meu lar inconsequentemente, manejando meus bibelôs emocionais como quem brinca com malabares.

Não, não ponho minha mão no fogo por quem tem medo de se mostrar frágil, vulnerável, humano, quem teme bancar os sentimentos e dizê-los em alto e bom som.

Não chamo pra dividir as batalhas comigo quem se acovarda pra vida, quem não se posiciona, não se responsabiliza pelas rédeas do seu próprio percurso.

Eu não compartilho meus sonhos com quem não tem uma sede insaciável por viver, por buscar o sentido e o propósito, escolher ser feliz não importa o que aconteça.

Não, eu não vou chamar para viver a vida comigo quem só vislumbra beleza e valor no que reluz, cintila, exala luxo ou vem com pirotecnia, quando pra mim o singelo e o banal podem ser tão imensamente mais poderosos, o sentimento mais fundamental que qualquer forma, embalagem, vestimenta ou espetáculo.

Eu quero gente de verdade, que sente de verdade, pensa de verdade, se importa de verdade, se enxerga e vê o outro de verdade.

Gente que ama de verdade.








Formada em Direito, escritora por necessidade de alma, cantora e compositora por paixão visceral. Só sabe viver se for refletindo sobre tudo, sentindo o mundo à flor da pele. Quer transmitir tudo que apreende (e aprende) por todas as formas criativas possíveis.