Por Vanessa Chanice

Em 2014 viralizou na internet um texto com 35 ações práticas para homens que querem apoiar o feminismo e, logo na segunda colocação dessa lista, tinha a seguinte dica:

Dê 50% (ou mais) do suporte emocional em seu relacionamento afetivo e amizades.

Reconheça que mulheres são desproporcionalmente responsáveis pelo trabalho emocional e que ser responsável por isso tira tempo e energia de outras coisas que elas consideram satisfatórias.

Na época que eu li isso pela primeira vez, apesar deu já entender exatamente sobre o que essa questão se tratava, eu não tinha percebido o quão internalizado estava, dentro da minha existência, a responsabilidade que eu sinto ter pelas minhas relações amorosas.

Desde que cresci, eu fui educada para conquistar um homem, fui ensinada a “prender” um homem e a manter esse casamento durante o resto da minha vida. Caso alguma dessas coisas falhassem e eu, por exemplo, me divorciasse, a culpa era minha de não ter aprendido direito como proceder.

Esse quadro geral não é novidade para ninguém, mas só ontem, depois de uma discussão com o meu namorado de longa data, foi que alguns botões se acionaram no meu inconsciente e eu de fato compreendi a extensão desse quadro na minha vida prática.

#1 A gente precisa saber o momento certo de brigar

Se seu parceiro fez algo que te magoou ou algo que você considera importante ser debatido, você não pode simplesmente discutir na hora em que aquilo aconteceu! Primeiro você precisa pesar: vocês já tiveram muitas discussões recentemente? Ele está passando por uma fase estressante na vida profissional/pessoal dele em que talvez uma discussão no relacionamento não seja o melhor cenário no momento?

Se a resposta para uma dessas perguntas for sim, então o que você precisa fazer é: deixar essa mágoa de lado, trabalhar a relação de vocês para que ela melhore e, quando vocês estiverem bem e apaixonados novamente, puxar uma conversa leve e agradável (ou o máximo possível) sobre como aquela atitude passada te incomodou e você não gostaria que se repetisse. Já que agora vocês estão agora numa fase boa da relação, a discussão vai causar menos ruídos e menos danos colaterais.

#2 A gente precisa escolher as batalhas certas para lutar

Para além do momento certo de brigar, também é preciso pesar bem quais são as brigas que realmente valem a pena. Se você for brigar toda vez que ele fizer algo que você não gosta, a relação vai ficar desgastada rapidamente. Ele vai achar o namoro chato e possivelmente vai se desencantar ou até mesmo parar de gostar de você! Logo, vamos aprender a relevar mais, ok?

#3 A gente precisa passar essa sabedoria adiante para as nossas amigas

Imagina esse cenário: sua amiga acaba de brigar com o namorado e vem desabafar com você pedindo conselhos. Antes de dizer o que você pensa sobre o acontecido, é sempre importante se certificar primeiro de que ela estava cumprindo os preceitos citados anteriormente. “Amiga, mas ele não estava passando por um momento mega difícil na família dele?”; “Você não poderia ter esperado pra ter essa conversa outra hora?”; “Você não tem discutido demais com ele ultimamente?”; “Nenhum cara aguenta isso, daqui a pouco ele cansa mesmo!”; “Melhor você dar uma maneirada e agradar ele um pouquinho, tentar reconquistá-lo, aumentar a paixão… Depois, quando vocês tiverem melhor, você tenta conversar de novo!”.

Vejam bem, eu não acho necessariamente todos esses pensamentos “errados”. Esse cuidado é bom pra a manutenção de qualquer relação, mas o problema aqui é que eles são ensinados apenas para as mulheres! É inteiramente nossa a responsabilidade e a constante preocupação com o relacionamento. É nossa a responsabilidade de reconquistar, de aliviar, de agradar, de medir as palavras, de escolher cuidadosamente os passos a serem dados.

Se seu namorado ficar irritado com você: ele vai falar! Na hora que você fizer algo que o desagradou, pode ter certeza que você vai ficar sabendo. Não vai passar pela cabeça dele que “talvez agora não seja o momento mais adequado na nossa relação para iniciarmos uma nova briga” ou que “talvez seja melhor termos algumas saídas românticas antes de termos essa discussão, só pra eu ter mais segurança de que ela não vai se irritar e querer acabar com essa relação”. E muito menos “eu preciso ter mais cuidado com as coisas que me deixam irritado, porque daqui a pouco ela vai me achar muito pé no saco e vai dar o fora”.

Porque, no final, tudo se resume ao medo de sermos deixados sozinhas. É muito fácil apontarmos os dedos e criticarmos nossas amigas quando elas não conseguem terminar com aquele namorado babaca, sendo que a vida inteira nos foi atribuída essa missão de “manter” um relacionamento. Quando esse relacionamento termina, É NOSSO o fracasso. Mesmo depois de tudo o que nos ensinaram, de todos os conselhos dados, de todos os cuidados tomados.

Mas você não foi tão cuidadosa assim né? No final, já não teve tanta paciência, não cumpriu com o que foi avisado e brigou demais, na hora errada, por motivos que poderia ter relevado. A culpa é toda sua. Quem sabe da próxima vez você não é mais cuidadosa?

Enfim, não sei muito bem pra onde ir com esse texto, só sei que é um bom primeiro passo tomarmos consciência de tudo isso. Que é um peso enorme carregar a responsabilidade emocional de uma relação inteira nas costas. Que eu também tenho meus problemas pessoais, familiares e profissionais pra ficar estressada e sem paciência pra namoro. Mas mesmo com meus problemas pessoais, eu ainda preciso arranjar tempo pra reconquistar meu namorado, planejar formas de nos colocar numa “fase boa”, manter a paixão, pensar com cuidado nas próximas discussões e criar o cenário mais agradável possível para todas as elas.

Espero que no futuro minha filha não tenha tanto medo de ficar sozinha.

Porque tudo isso é consequência do sexismo que enfrentamos no nosso dia a dia e nem sequer percebemos. Desde sempre e para sempre.