Muita gente associa a dor à velhice, como se fosse uma coisa natural ficar sofrendo nesta fase da vida. Mas, além disso não ser verdade, tolerar este sofrimento pode prejudicar a realização de tarefas simples e cotidianas, além de alterar o humor e o sono.

Para entender melhor os mecanismos da dor na terceira idade, o portal Senhoras & Senhores entrevistou a geriatra Fânia Cristina dos Santos,coordenadora científica do Comitê de Dor no Idoso da Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor (SBED).

“O recado que eu deixaria é: não se medique sozinho”, alerta a médica, que também é chefe do Serviço de Dor e Doenças Osteoarticulares da Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM).

Senhoras & Senhores – Quais sãos as peculiaridades da dor na velhice?
Fânia Santos –Para a geriatria, a dor é um questão central, pois é bastante prevalente e está associada à incapacidade funcional e à alteração da qualidade de vida. Independente da doença, o foco da geriatria é manter o idoso ativo e com autonomia para cuidar de si mesmo.

SS – A dor crônica pode diminuir a capacidade funcional?
FS – Uma pessoa que sofre de dor crônica pode ficar dependente. É o que acontece, por exemplo, com alguém que sofre deartrose de joelho. Neste caso, ela pode deixar de tomar banho, de sair de casa e de fazer suas tarefas cotidianas.A dor impede que tenha vida social e agrava o isolamento.

SS – O idoso sente mais dor do que um jovem?
FS –Alguns trabalhos apontam que, do ponto de vista neurológico, os velhos sentem menos dor do que os jovens por conta da transmissão neurológica, que é mais lenta. Contudo, não é verdade que tenham menos dor. Ela é sim mais prevalente nos idosos e esta prevalência está associada às comorbidades típicas da idade. No geral, o paciente nesta faixa etária toma muitos remédios e quando o médico receita mais um para a dor, ele tende a não fazer uso, pois teme os efeitos colaterais. Existe também preconceito que associa dor à velhice: “ah, é idoso mesmo, então tem que ter dor” ou “chegou na terceira idade, faz parte ter dor”. Não, isto não é verdade. Paciente idoso não tem que ter mais dor, nem precisa se queixar mais do que um jovem. Ele só tem mais situações que vão causar dor.

SS – Qual é a abordagem em relação à dor na terceira idade?
FS –Depende se a dor é crônica ou aguda, pois os tratamentos são diferentes. A classificação entre esses dois tipos é temporal, ou seja, a crônica é constante e a aguda é um episódio, como em um enfarto, por exemplo. Seus mecanismos também são diferentes: a dor crônica não é uma dor aguda que está durando mais. É uma alteração no sistema nervoso, onde ocorre uma amplificação da percepção da dor e uma diminuição do mecanismo de inibição. Assim, o paciente sente mais dor.

SS – Quais são os principais tratamentos?
FS –Nós dividimos o tratamento da dor em farmacológico e não farmacológico.

SS – Como é o tratamento não farmacológico?
FS –É um conjunto de atitudes que ajudam a trazer alívio. Algumas delas são: gelo, calor, laser, ultrassom, acupuntura, musicoterapia, técnicas de distração, fisioterapia e terapia ocupacional. Há várias abordagens, muitas simples,com ótimos resultados.

SS – E o tratamento farmacológico?
FS – Este também varia muito. A Organização Mundial da Saúde (OMS) preconiza que a gente siga uma escala de analgesia. No primeiro degrau, estão os analgésicos simples, do nosso cotidiano, e os anti-inflamatórios. Há também alguns anticonvulsivantes e antidepressivos que têm ação contra a dor e que podem ser associados aos analgésicos. No segundo degrau, temos os opioides fracos, como a codeína e a oxicodona, e, no terceiro, os opioides mais fortes,como a morfina e a metadona. Hoje em dia, há ainda um quarto degrau que inclui procedimentos invasivos.

SS – Os anti-inflamatórios não são perigosos?
FS – De fato, para o idoso, eles são um grande problema por causa dos efeitos colaterais. Por isso, não são nossa primeira escolha de analgesia. Nós também somos contra aqueles pacientes que chegam na farmácia e pedem um anti-inflamatório por conta própria. Na terceira idade, há vários riscos visto que o organismo do idoso apresenta alterações nos rins, no fígado, no estômago, etc. Dessa forma, ao ingerir o remédio, pode haver mudanças quanto à sua absorção, distribuição e eliminação e quanto à sua ação.

SS – Para aqueles idosos que estão bem, mas podem ter uma dor de vez em quando, o que você recomenda?
FS – Nós geriatras não gostamos quando o idoso faz uso de medicamentos que tem em casa. Se essa dor é recorrente ou seja, constante e, de repente, piorou, o médico tem que ser consultado, pois esse paciente já deveria estar em tratamento. Ele não deve comprar a medicação por si só. Isso pode levar a abuso e agravar o problema.

SS – Você tem um projeto na UNIFESP chamado Projeto Longevos. Do que se trata?
FS – É um projeto de pesquisa no qual participo com outros autores. Estudamos a dor nos pacientes longevos, ou seja, naqueles classificados no Brasil com 80 anos ou mais. Nossos objetivos são entender a prevalência da dor,comparada a dos mais jovens (de 60 até 80 anos), e conhecer o seu real impacto em relação à capacidade funcional, ao sono, à qualidade de vida, ao humor e à depressão.

SS – Quais os resultados até agora?
FS – Focamos os pacientes com artrose e percebemos que há prevalência de dor crônica em aproximadamente 35% deles. Contudo, em pessoas internadas em instituições de longa permanência, a prevalência pode chegar a 80%. Isto acontece porque nestes locais a dor crônica é muito subestimada. Muitos desses idosos também têm demência e não sabem referir que estão com dor. Então, como sabemos que estão sofrendo? Nós temos instrumentos específicos que avaliam gestos corporais, agitação e outras manifestações. Precisamos reconhecer a dor mesmo que o paciente não saiba verbalizá-la.

SS – Como prevenir o aparecimento de dores agudas?
FS –São necessários boa orientação e acompanhamento. Por exemplo, a pessoa tem um problema no joelho, que não dói muito, mas varre a casa, o quintal, passa um pano no chão, cochila no sofá em uma posição ruim, dorme em um colchão pouco ergonômico, sobe e desce escadas 10 vezes por dia. Estas são atitudes que podem piorar a dor. Por isso, é muito importante que o paciente consulte o seu médico e receba recomendações sobre quais atividades pode ou não fazer e como melhorar a ergonomia de seu ambiente. Há ainda tratamentos fisioterapêuticos que fortalecem a musculatura e diminuem o risco de que a dor se torne aguda.

SS – Qual a sua recomendação para lidar com a dor?
FS – O recado que eu deixaria para o paciente idoso é: não se medique sozinho. “Ah, a vizinha usou e disse que é ótimo” ou “serviu para uma colega” ou“vou na farmácia pedir um remedinho”. Não é assim que funciona. Você pode melhorar a dor, mas pode prejudicar os rins, por exemplo. A gente sabe que uma das principais causas de diálise é o uso prolongado de anti-inflamatórios durante a vida, remédios que são vendidos livremente. A orientação é buscar sempre auxílio médico e lembrar que existe tratamento não farmacológico. O gelo é um ótimo anti-inflamatório e um ótimo analgésico e não tem custo. A maioria das pessoas têm geladeira e pode guardar gelo moldável em casa. A receita é simples: em um saquinho plástico, coloque uma medida de álcool para duas de água. É ótimo e todo idoso deveria ter um saquinho assim no seu congelador. Está com dor? Pega um paninho, coloca o paninho no local e coloca o gelo moldável ali. Deixa de 13 a 15 minutos que o efeito será muito bom. Pode ser usado em quadros agudos de torção ou contusão, por exemplo.

SS – Dor não é normal só porque se é idoso, não é?
FS –Não é normal. Dor não é um efeito do envelhecimento. Por isso, procure sempre a orientação do seu médico.