Conhecimento

DE ONDE VEM A CALMA

O fato é que preciso de calma. Preciso desta mercadoria rara que não se vende em farmácias nem está disponível em qualquer site descolado. Mais do que o precioso tempo, preciso reaprender a me acalmar.

Minhas férias vem chegando e ando um turbilhão por dentro. Não pela proximidade de meus dias de paz, mas pelo acúmulo de obrigações e malabarismos que o último mês trouxe.

É meu filho quem me lembra que preciso me acalmar. Com suas mãozinhas subindo e descendo à frente do corpo, repete seu mantra num sussurro: “Acaaalma… acaaalma…” e paro o que estou fazendo num impulso rápido, para prestar atenção à minha respiração e finalmente me acalmar _ inspirando e falando devagar; expirando e dizendo as palavras um tom mais baixo; inspirando e agindo como uma criatura normal.

É comum sentir-me culpada depois de agir apressadamente, prestando atenção a tudo e nada ao mesmo tempo. A sensação que vem depois é a de vazio e arrependimento. “A vida é tão curta… logo ele cresce e esses momentos serão só lembranças…” ou sua variante: “a vida passa tão depressa… aproveita enquanto tem saúde…”; ou indo mais além: “a vida é tão breve, seus pais não são eternos…”

O fato é que preciso de calma. Preciso desta mercadoria rara que não se vende em farmácias nem está disponível em qualquer site descolado. Mais do que o precioso tempo, preciso reaprender a me acalmar.

A gente usa muito pano pra pouca manga, como diz o ditado. Faz tempestade num copo d’ água pra chover no molhado e depois descobrir que entrou pelo cano por ser tão fogo de palha.

Brincadeiras à parte, a verdade é que dramatizamos demais. Passamos muito tempo desperdiçando energia e esquecemos que calma rima com Alma. Combina com esquecimento, reabastecimento, afrouxamento, alheamento.

Faz bem pra alma. Estar alheio ao buzinaço que acontece dentro ou fora de nós, nadando contra a correnteza de toda tralha sem utilidade que amontoamos sem mesmo saber porque. Esquecemos que a alma também precisa de calma. Pausa e reflexão. Serenidade e faxina.

Fazer faxina na alma vai além de limpar territórios escondidos ou organizar emoções em prateleiras cobertas com papel contact. É amarrar um laço de seda na construção de nossa paz e descartar tanta preocupação irrelevante, irreal ou carregada de culpa inútil que costumamos remoer naquelas horas em que não podemos mais adiar o encontro com nós mesmos.

Nas horas mais silenciosas, em que as luzes se apagam e não há barulho na casa, a goteira da perturbação encontra uma fresta no assoalho de meus pensamentos. E por mais que deseje um tanto de calmaria, ela pinga culpa e desassossego. Tenho tentado virar o jogo. Não pode haver condenações ao assumirmos nossa espontaneidade ou agirmos com autenticidade.

A armadilha da perfeição nos alcança e tira a paz. Querendo dar conta de tudo sem sair da linha nos empurramos barranco abaixo, passando a carroça na frente dos bois. É preciso tempo para construir uma existência de paz. Sem conflitos entre o Dever e o Poder; sem desavenças entre o Desejar e o Conseguir; sem brigas entre o Quero e o Posso alcançar.

Devagar e em frente, respirando e esvaziando, aceitando e permitindo, dando real valor a cada coisa no seu lugar. Percebendo, acima de tudo, que a maturidade tem o dom de trazer calmaria, e a tranquilidade vem do respeito por nossa natureza, deixando de tentar ser Super-Pessoas, e aceitando nossos limites, nosso tempo, nossa paz.

Que o período de férias seja um tempo bom para acolhermos quem nos tornamos de fato _ a pessoa por trás do avental branco ou uniforme de trabalho; o alguém que não tem que bater o ponto nem provar seu talento a todo momento; a pessoa que carregamos por baixo da superfície, e que precisa ser cuidada e valorizada de tempos em tempos.

Que eu não precise de meu filho repetindo a todo momento que preciso me acalmar. Que seu mantra não seja o alerta máximo para que eu preste atenção à melhor fase da minha vida. Para que o tempo não passe sem que eu me dê conta.

Para que a gente descubra “de onde vem a calma” e ao contrário do que diz a música, ‘aprenda a ser melhor, viu?’

Fabíola Simões

Nasceu no sul de Minas, onde cresceu e aprendeu a se conhecer através da escrita. Formada em Odontologia, atualmente vive em Campinas com o marido e o filho. Dentista, mãe e também blogueira, divide seu tempo entre trabalhar num Centro de Saúde, andar de skate com Bernardo, tomar vinho com Luiz, bater papo com sua mãe e, entre um café e outro, escrever no blog. Em 2015 publicou seu primeiro livro: "A Soma de todos os Afetos" e se prepara para novos desafios. O que vem por aí? Descubra favoritando o blog e seguindo nas outras redes sociais.

Recent Posts

Especialista revela a pergunta mais poderosa para fazer no final de uma entrevista de emprego — e ela pode garantir sua vaga

Participar de uma entrevista de emprego já é um desafio por si só. Mas muitos…

1 hora ago

Biohacker que quer “viver para sempre” mostra resultados surpreendentes após 90 dias de oxigenoterapia

O milionário, Bryan Johnson, está realizando um dos experimentos mais ousados contra o envelhecimento. Dessa…

1 hora ago

Stranger Things: Netflix revela datas da 5ª temporada e fãs surtam com detalhe inesperado

Após três anos, desde o lançamento da 4ª temporada de Stranger Things, a Netflix finalmente…

1 hora ago

Junho marca o fim de um ciclo cármico difícil para 3 signos: Chegou a hora de se libertar

Alguns ciclos na vida parecem se arrastar como se nunca fossem terminar. Eles testam nossa…

20 horas ago

Polêmica na Cacau Show: Franqueados e ex-funcionários denunciam taxas abusivas, ameaças e rituais estranhos

A Cacau Show, uma das maiores redes de chocolates do Brasil, se viu no centro…

20 horas ago

Este é o nome masculino mais bonito do mundo segundo a ciência (e sim, você já ouviu falar dele)

Quando vamos ter um filho, temos a grande missão, senão uma das mais difíceis, de…

20 horas ago