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Crítica de “Um Dia de Chuva em Nova York”, de Woody Allen

Um Dia de Chuva em Nova York (A Rainy Day in New York – 2019)

Apaixonado por Nova York, Gatsby (Timothée Chalamet) decide passar um fim de semana na cidade ao lado de Ashleigh (Elle Fanning), sua namorada. No entanto, aquilo que era pra ser uma aventura romântica acaba tomando um rumo inesperado. Aspirante a jornalista, Ashleigh conhece o diretor de cinema Roland Pollard (Liev Schreiber), que a convida para a exibição de seu mais recente trabalho. Gatsby, por sua vez, encontra Chan (Selena Gomez), a irmã mais nova de sua ex-namorada, com quem passa o restante da viagem. Um dia de chuva em Nova York será o suficiente para fazer com que Ashleigh redescubra suas verdadeiras paixões e Gatsby aprenda que só se vive uma vez – mas que é o suficiente se for ao lado da pessoa certa.

A experiência de ver um filme do Woody Allen é sempre gratificante, mesmo quando ele não está muito inspirado, você é presenteado com uma visão autoral, sem concessões mercadológicas, intelectualmente segura. Quando ele está inspirado, como é o caso em “Um Dia de Chuva em Nova York”, cada sequência é um cálido beijo no rosto de todos que valorizam cultura, boa música, boa literatura e, principalmente, bom cinema. A quantidade de referências desta vez é impressionante, e, colocar estas para serem defendidas por um elenco bem jovem em diálogos afiados, dá ainda mais gosto, apesar de soarem quase surreais, levando em conta o padrão atual desta nova geração, bastante abaixo da média.

Allen está revigorado, à beira de completar 84 anos de idade, de bem com a vida, ele celebra com esta pérola o número louvável de 50 títulos na carreira como diretor, algo que deveria estar sendo aplaudido fervorosamente em sua nação, mas, infelizmente, a estupidez e a histeria coletiva com forte conotação política em um caso em que ele já foi inocentado décadas atrás por peritos de dois estados, com um dos filhos reforçando a cruel lavagem cerebral que sua mãe fez motivada por vingança matrimonial, acabou causando um absurdo boicote. Qualquer cineasta poderia se afundar em amargura, exatamente por isto é que emociona enxergar em suas decisões criativas tanta ternura.

O charme está na leveza com que ele trabalha as situações nesta desconstrução do formato clássico da comédia romântica. A chuva em Nova York, material romântico que já serviu fartamente à compositores e escritores, símbolo da paixão, desta feita, com o auxílio sempre impecável da fotografia do grande Vittorio Storaro, funciona como pano de fundo de um dia caótico para um jovem casal.

Gatsby (Chalamet) e Ashleigh (Fanning) são aparentemente diferentes em quase tudo, ele, jogador inconsequente que busca ser identificado como alguém refinado, ela, insegura e ingênua aspirante à jornalista que busca ser respeitada profissionalmente. Claro que, analisando apenas pela fachada que exibem, os dois são esforçados, mas o verniz frágil é facilmente raspado.

O roteiro vai colocando à prova a resistência destas caricaturas. Por trás da bravura cool do rapaz, da atitude rebelde à la James Dean, vive um filhinho de mamãe ingrato. Por trás do desespero da bela loirinha em conseguir preparar uma boa matéria, vive uma fútil tremendamente desorientada, que segue sua vida sem personalidade alguma, como que riscando ritos sociais já cumpridos de seu caderno de notas. O único elemento genuíno na história é Chan (Gomez), que já foi cunhada de Gatsby.

O toque de gênio de Allen é fazer com que, inconscientemente, os jovens se deparem com adultos que sofrem do mesmo mal, o diretor (Schreiber) de cinema patologicamente inseguro, seu roteirista ingênuo (vivido por Jude Law), o fútil galã (vivido por Diego Luna), até mesmo o amigo infantilizado que não consegue lidar com a risada exótica de sua namorada, todos são a comprovação de que o tempo não conserta sozinho as imperfeições existenciais. O conceito de que a adolescência é o período das bobagens é equivocado, seguimos os mesmos, apenas aprendemos a esconder melhor. E, claro, numa reviravolta maravilhosa e surpreendentemente dramática no terceiro ato, o roteiro revela o segundo, inesperado, personagem genuíno da trama.

Colegas críticos preguiçosos podem utilizar adjetivos como “requentado” para esta pérola, aquela ideia equivocada de ver no estilo único do mestre uma repetição, mas quem estuda e ama seus filmes, aquele que aprecia ser respeitado na sala escura, vai sair da sessão com um sorriso contagiante no rosto.

Octavio Caruso

Octavio Caruso é escritor, crítico de cinema, ator, produtor, roteirista, cineasta, publicitário e jornalista.

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