É impressionante como o tempo nunca é, nem nunca foi, amigo das mulheres. A gente parece que tá sempre atrasada para algum feito ou efeito do nosso corpo/comportamento na agenda da sociedade. “Já menstruou?”, “Logo você vai ter corpo de mulher.” “E quando vai arrumar um namoradinho?” “Olha, depois dos 30 não casa mais…” “Casou, até que enfim. Não espere muito pra ter filhos, depois dos 35 é mais difícil.” “Olha o útero fazendo tic-tac”. “Como assim, nunca vai ser mãe?”. “Você precisa arrumar um tempo para ir à academia, olha que mulher que não se cuida…”. “Primeiro filho!? É bom ter o segundo em seguida”. TRRRRRRRRRRRIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIMMMMMMMM!!!

É como ter um despertador constante gritando no seu ouvido. E aqui eu não gostaria de usar o já exaustivo “eu não sou obrigada”, porque está chato falar disso, mas viu, eu não sou obrigada mesmo. Nenhuma de nós é. A maioria de nós tende a fazer um acordo de coexistência harmônica com o tempo, e ninguém deveria se meter na nossa relação. E se você acha que isso é papo de feminista reclamona, tente ser bombardeado com metas, tretas e expectativas alheias durante uma vida inteira. Acredite, é de querer jogar o despertador pela janela.

Mas tudo bem, a sua tia-vó é de outra geração, e na medida do possível, tolerância com as expectativas dela, forjadas nos anos bem antes dos nossos, é bem mais produtivo que explicar quem nem todo mundo tem as mesmas ambições. A mídia e publicidade, entretanto, essas sabichonas moderninhas – estas sim, já deveriam ter pegado mais pique no que diz respeito ao papel da mulher na sociedade. Ainda hoje aguentamos garganta abaixo, uma minúscula minoria de mulheres perfeitas representando a todas nós, em nossa vasta diversidade de cores e formas, em capas de revista e VTs de horário nobre. As poucas questões de gênero discutidas em peças publicitarias viram cases de destaque, porque acredite, são raras. A gente ainda vende cerveja só pra homem. Sério. Será que vai demorar muito tempo para entenderem que mulher também bebe e gosta de cerveja? Eu posso ser voluntária neste estudo de caso (pelo bem da publicidade, é claro).

No último encontro do Social Media Day em Porto Alegre, o tema discutido foi representatividade. Nele um painel de convidados discutia a falta de representatividade nos discursos, e na exclusão das minorias na comunicação – minorias que juntas (pasmem), são a maioria das pessoas que consomem no mundo. Então por que ainda estamos falando só com a fatia menor, branca, masculina e hétera, eu me pergunto. “Acho que as pessoas estão sendo muito críticas com a publicidade ultimamente” – alegou uma jovem publicitaria que ouvia a discussão da plateia. Joanna Burigo, representante e diplomada em feminismo no painel de discussões do evento, respondeu: “a gente não está sendo crítico demais, a gente está é de saco cheio. A comunicação e a publicidade estão velhas demais nestes assuntos”.

A fala da Joanna me fez pensar no primeiro livro que li na faculdade de publicidade, aquele em Oliviero Toscani comunicava que a publicidade era um cadáver que sorria, em um crítica de como nós publicitários e comunicadores, falhávamos ao usar nossas produções como ferramenta para transformar a sociedade. Toscani acusava-nos de que ao contrário de nossos propósitos mais construtivos, publicitários agiam soberbamente, como pura engrenagem dando continuidade a círculos viciosos da sociedade. Ao que me parece, o cadáver de Toscani não está apenas morto, mas já fede há bastante tempo.

Somada ao roteiro bitolado de como nós mulheres devemos nos comportar, tem sempre aquela insatisfação embutida nas nossas mentes de que a gente veio ao mundo no corpo errado. Eu mesma, nunca mais fui magrinha depois dos 20. Pré-disposição, carboidratos, cerveja, não existem culpados, apenas colaboradores para as curvas que coleciono. Foi em uma viagem à Tailândia que descobri que eu tinha “corpo de grávida”. Tailandesas mignons apontavam para a minha barriga e celebravam o bebê que eu não estava gerando – isso as mais gentis. As menos gentis me impediam de entrar em suas lojas, porque elas não tinham o meu tamanho. “Pare de comer e depois volte aqui”, me recomendavam. Eu não sabia do que ter mais vergonha, entretanto nenhuma das condições deveria me fazer sentir mal. Foi quando entendi o poder pejorativo que erroneamente usávamos no “gorda” ou “grávida”. Na dúvida de qual me fez sentir pior, chorei Tailândia adentro pelos dois. Mais tarde, situações similares aconteceram no país das brasileiras gostosonas – quando me ofereciam a fila prioritária no banco, e eu agradecia gentilmente e dizia, “não é menino, nem menina, é pizza”, enquanto as pessoas se retiravam constrangidas.

Chegados os temidos 30 (tic-tac-tic-tac), decidi que ia parar de pedir desculpas e me constranger por perguntas e insinuações indelicadas. Eu nunca almejei barriga negativa, eu ainda não sei se eu quero ser mãe, e ao contrário do que muita marca diz, eu também não me reúno com as amigas para testar o desinfetante mais eficaz na “luta contra a sujeira”. Então note que são diversos os discursos que não apenas não me representam, como sinceramente me ofendem. Isso, levando em consideração o fato de que eu sou uma completa Zé Ninguém, que na pior das hipóteses tem que aguentar aquela tia-avó pentelha que tem uma obsessão particular pelo meu útero, ou revistas me ensinando “como manter-se jovem para sempre”. Mas aí essa semana Jennifer Aniston, celebridade mundial, que após décadas do mesmo bullying que eu sofro, “é barriga ou gravidez?”, veio e falou por todas nós. Jennifer Aniston não está grávida, ela encheu foi p**** do saco mesmo:

“Se eu sou algum tipo de símbolo para algumas pessoas lá fora, então é claro que eu sou um exemplo da lente através da qual nós, como uma sociedade, vemos as nossas mães, filhas, irmãs, esposas, amigas e colegas. A objetivação e escrutínio que submetemos as mulheres é absurdo e perturbador. A maneira que eu estou retratada pela mídia é simplesmente um reflexo de como vemos e retratam as mulheres em geral, medida contra algum padrão distorcida de beleza.

A enorme quantidade de recursos gastos hoje pela imprensa tentando simplesmente descobrir se estou ou não estou grávida (pela milionésima vez … mas quem está contando) aponta para a perpetuação desta noção de que as mulheres são de alguma forma incompletas, sem sucesso, ou infelizes se elas não estão casadas e com filhos. Neste último ciclo chato de notícias sobre minha vida pessoal, houve (no EUA) fuzilamentos em massa, incêndios florestais, as principais decisões do Supremo Tribunal, uma próxima eleição, e qualquer número de questões mais dignas de nota que a mídia poderia dedicar os seus recursos.”

Jennifer Aniston está certa. Nós comunicadores de modo geral temos coisas mais importantes para discutir do que objetificar ou ditar regras para as mulheres. Luana Piovani quando procurada para comentar a carta da atriz americana, botou o dedo na ferida dos culpados: “a culpa é de vocês, mídia, indústria da moda. Vocês vão ter coragem de discutir que a culpa é de vocês? Cenas dos próximos capítulos”.

E é. A culpa é nossa. Tomara que estes próximos capítulos sejam cheios de representatividade e respeito com o corpo e útero alheio.








Uma questionadora fervorosa das regras da vida. Viajante viciada em processo de recuperação. Entusiasta da escrita. Uma garota no divã figurado e literal. Autora do blog antonianodiva.com.br.