“Com a experiência de quem passou por uma crise aguda de estresse, sempre digo: é preciso honrar a sabedoria do corpo.”

A crise nem sempre é a nossa inimiga.

Pouco mais de três anos atrás eu vivia um momento muito especial na carreira. Trabalhava em uma empresa multinacional, convivia com pessoas inspiradoras e gerenciava projetos que impactavam a vida de milhares de pessoas.

Ganhei prêmios, era reconhecida pelo meu desempenho e incentivada a me manter no topo. Fora do escritório, no entanto, as coisas não iam tão bem assim: eu havia perdido dez quilos, não dormia bem há semanas, sentia os braços e as pernas formigando e chorava por qualquer motivo.

Embora os meus amigos e família me dissessem que eu ia acabar tendo um piripaque, eu achava que era só uma fase ruim e seguia cumprindo com as minhas responsabilidades e obrigações. Mascarava os sintomas e enganava bem o bastante, para pegar todo mundo desprevenido quando a – anunciada – crise chegou. O diagnóstico? Síndrome do pânico.

“A crise, em geral, não é nossa inimiga.”

Para você entender o impacto que esse acontecimento teve na minha vida, preciso te contar um pouco mais sobre quem eu era. Até aquele momento, eu achava que depressão, crise de estresse e síndrome do pânico eram coisas de gente fraca e sem força de vontade.

Como eu era jovem, cheia de energia e saúde, tinha certeza que estava imune a esse tipo de “desequilíbrio”. Eu sempre me esforcei para parecer uma pessoa independente, bem-resolvida, com opiniões fortes e um estilo de vida saudável. Eu morava sozinha, praticava Yoga, era vegetariana, não bebia, não fumava, era voluntária engajada em ONGs, meditava e fazia viagens para destinos pouco convencionais.

Dava trabalho manter aquela imagem, para mim e para o mundo. Era pesado e exigia esforço constante. Mas, como recompensa, tudo aquilo me dava a sensação de que eu estava no comando da vida. Se eu fizesse tudo “certo”, nada me pegaria desprevenida. Eu não seria mais vulnerável e estaria livre do sofrimento para sempre. Equívoco. Tudo o que eu fazia só reforçava um padrão de comportamento obsessivo e ditatorial. Eu queria ser perfeita e esperava o mesmo de todos ao meu redor. Isso custou caro.

Durante a jornada da recuperação, foi preciso ter coragem, resiliência e humildade. Tudo o que eu sabia sobre mim tinha ficado, temporariamente, suspenso. Houve, sim, sofrimento, medo e angústia. Mas, foram tantos encontros, tanto amor, tanta troca, tanto aprendizado, que acho que posso dizer que vivi uns dez anos em um.

Hoje sei que fui presenteada com uma nova chance. Uma oportunidade de fazer uma revisão completa de valores e do que realmente importa. Deixei muitas bandeiras que defendia pelo caminho. Tomei remédio quando precisei, comi carne por recomendação médica, aprendi a pedir ajuda, tinha horário para entrar e sair do trabalho, escolhia criteriosamente os projetos que abraçaria e as pessoas que queria ter por perto. Me reinventei. Me reencontrei. Com amor e gentileza, fui descobrindo uma vida mais plena, completa e feliz.

Assim como eu, milhões de pessoas passam por crises como essa todos os anos. Segundo a Organização Mundial da Saúde, o Brasil é o país com o maior número de casos de transtornos de ansiedade e o quinto em casos de depressão. No mundo, os transtornos mentais já são relacionados a uma perda econômica de um trilhão de dólares por ano e estima-se que até 2020 a depressão vai ser a doença mais incapacitante de todas.

As estatísticas são alarmantes, mas refletem a forma como vivemos. Ao longo dos anos, aprendemos a dedicar tempo para desenvolver o intelecto e cuidar do corpo. No entanto, fazemos pouco (ou nada) pela saúde emocional e mental, que são tão relevantes e humanas quanto a saúde física. Nos habituamos a fazer checkups periódicos para garantir que o corpo está em equilíbrio, mas ignoramos que as emoções e os pensamentos fazem parte do nosso sistema.

Quando alguém machuca o joelho, por exemplo, aceitamos com facilidade a necessidade de tratamento. Afinal, trata-se de um problema real e fisicamente incapacitante. Por outro lado, quando alguém passa por um trauma e precisa de tratamento emocional, muitos (ainda!) julgam como frescura ou fraqueza. Mas só porque não vemos a pessoa mancando, não quer dizer que a dor emocional seja menos incômoda do que a dor no joelho.

Com a experiência de quem passou por uma crise aguda de estresse, sempre digo: é preciso honrar a sabedoria do corpo. Além disso, é necessário ter humildade e coragem para pedir ajuda quando algo não vai bem. Não é errado ou vergonhoso passar por uma crise e contar com o apoio de familiares e amigos é fundamental para o restabelecimento do nosso equilíbrio. Ao mesmo tempo, é incoerente terceirizar a responsabilidade pelo nosso bem-estar e saúde. Ninguém, além de nós mesmos, tem o dever de conhecer e comunicar os nossos desejos e limites.

A crise, em geral, não é nossa inimiga.

Perder o emprego, um amor, a saúde ou qualquer outra situação que você considere desagradável, pode parecer terrível agora, mas talvez seja só um convite para acertar a rota. Frequentemente julgamos a nossa experiência como ruim e inadequada, mas isso é uma negação do único momento que nos é garantido: o agora. Passar a perceber qualquer acontecimento como parte do “currículo” permite que nos relacionemos de forma mais colaborativa com a vida.

Procure acolher as emoções, pensamentos e sensações físicas com curiosidade, interesse e compaixão. Cada acontecimento é um maravilhoso laboratório, que nos permite ganhar intimidade com a nossa experiência. Descubra a leveza, alegria e plenitude daquilo que acontece nesse instante.

Lembre-se: a possibilidade de se liberar do sofrimento está aqui. Pause e converse com você mesmo. Qualquer resposta que você procure já está aí dentro. Você só precisa de silêncio e coragem para descobrir. Se entregue para a vida e deixe o seu coração te levar para onde você quer e devia estar.