Tem gente que, diferente do tempo, nunca deveria passar. Mas são essas presenças não presentes nosso portal particular para a Terra do Nunca, onde é permitido visitar o passado com o olhar de agora.

Oi, amigo! Tudo, e você? Nossa, por onde vamos começar? São uns 25 anos de atualização do HD. E nem se fala mais HD. Começa você…não! Eu começo. Você nunca foi muito bom de começos.

Vou pular a parte de como estou, se tive filhos, se casei, se aprendi a dirigir e por onde andei. O Facebook faz sua parte e, com certeza, você já deu uma geral por lá. Não? Ah..não me faça rir… esqueci minha agenda na sua casa uma vez e você folheou página por página, lembra? Hoje é engraçado. Mas naquela época foi constrangedor.

Olha, confesso que passei anos sem lembrar de você. Sério. Não é bonito dizer, porém é verdade. Mas isso não significa nada. Apenas que a vida estava fazendo sua parte e me levando por um monte de lugares, me entupindo de projetos para realizar e me apresentando pessoas que não ficaram. E outras que ficaram. Mas aí vieram as redes sociais, que funcionam como um portal: as lembranças voltam e só então percebemos que tem gente que, diferente do tempo, nunca deveria ter passado.

O tempo. Acho que, de maneira geral, ele não foi vilão. Muita coisa melhorou, apesar de ter menos dele (do tempo) para aproveitar essas melhorias. Não, não tenho mais espinhas…ou melhor: quando abuso do Kit Kat às vezes aparece alguma sim. Tinha Kit Kat naquela época?

Às vezes me pego reeditando nossas conversas. A gente conversava por horas, né? E eram conversas inteligentes. Ou não? Ou criei essa “inteligência artificial” com o filtro da memória? O fato é que, com certeza, essas conversas seriam mais intensas hoje, com mais conteúdo. Porque vejo o mundo um pouco mais dialeticamente, sem radicalismos, procurando o outro lado, tentando ponderar. E antigamente – desse antigamente que você faz parte – eu nem sabia como se empregava “dialeticamente”.

Estranho isso: acho que mudei muito e me orgulho, mas não consigo imaginar mudanças em você. Você já me parecia tão pronto. Tão centrado. Tão coerente e com bom senso. Uma serenidade meio musical que dava vontade de estar por perto, como quando procuramos uma sombra de árvore em um dia abafado. Será que a tsunami do passar dos anos desarrumou essas coisas em você?

Sim, ainda leio bastante, mas demoro mais em cada livro. Porque, diferente de antes, quando minhas leituras eram diurnas, agora o livro vai junto para a cama, quando as atividades estão formalmente encerradas. Mas, não raro, o sono chega antes do final do capítulo.

Gargalhadas de perder o fôlego? Você lembra? Eu ria muito, né? Nossa, agora você me pegou. Nem sei qual foi a última vez que chorei de rir. Acho que com uma amiga, em uma viagem curta, depois que notamos que eu havia sentado em seu chapéu favorito por umas duas horas e ele ficou parecendo uma pizza. Passei uns três dias rindo a cada lembrança da cara desolada dela, com o que restou do chapéu na mão. Mas hoje em dia acho que sorrio mais do que gargalho, o que não é de todo mau. A vida vai ficando mais densa, né? E essas boçalidades que costumam nos fazer rir até doer a barriga ficam menos evidentes.

Os terríveis problemas que tínhamos aos 17, 18 anos também desapareceram. E olha que eram questões de ordem de grande embate, que demandavam longas discussões, estratégias certeiras e alguma conspiração. Tudo para definirmos situações exponenciais, como quem íamos chamar para a festa de garagem na casa de A, uma vez que A estava apaixonada por B que, depois de brigar com C, se negava a conviver com o resto do abecedário. Você está rindo de quê? Aquilo era seríssimo.

Dá um pouco de estranheza nos encararmos agora como adultos responsáveis, cheios de formalidades a cumprir, cheios de pessoas ao nosso redor que não estavam no contexto e não tinham o script da nossa vida até ontem. Quase ontem. Não entendeu? Por exemplo: o contexto impede que eu me pendure em seu pescoço e te abrace por mais de cinco segundos. Por quê? Ora, porque olhos de agora vão nos julgar pelo o que não conseguem decifrar. E, mal sabem eles, que seria bem mais simples do que a cena sugeriria.

Seria sim, para com isso. Hoje finalmente consigo entender que tinha razão: funcionávamos muito bem como amigos. E você nunca foi bom de começos, como eu disse. Mas sabia colocar pontos finais como ninguém.








Oi, tudo bem? Sou jornalista, formada pela Universidade Metodista de São Bernardo. Profissionalmente atuo como articulista e gero conteúdos para fins diversos. Mas textos sobre saúde e comportamento ganham meu coração e minhas madrugadas. É quando converso comigo mesma e, por conseqüência, alcanço outras pessoas, sempre procurando um contraponto, dado luz aos bastidores dos sentimentos numa tentativa pueril de deixar uma mensagem positiva para quem me lê.