Gostar de quem não considera as nossas necessidades , de quem nos procura só quando é conveniente não é normal. Gostar de quem nos ignora ou de quem nos coloca em segundo plano não é normal. Denota uma profunda falta de amor próprio. Ou ainda um estranho desejo de ficar vencendo desafios para provar algo para si mesmo, o que cai novamente na falta de amor próprio disfarçada de determinação.

Algumas pessoas não querem se relacionar. Devemos aceitar esse fato!

Escolhi o personagem Charlie Harper de “Two and a Half Men” para ilustrar este artigo pois me parece que a maioria das pessoas nutre certo encantamento por quem as despreza, por quem tem uma postura blasé diante da vida e dos outros, transformando quem está ao redor em meros personagens coadjuvantes. Esta teoria vale para muitos campos da vida afetiva…

As pessoas que se colocam como indisponíveis para relacionamentos, que só querem curtir, parecem mais atraentes do que aquelas que querem muito uma relação séria, para valer, que se envolvem e se comprometem com os sentimentos alheios.

O bonitão que não liga no dia seguinte vira ideia fixa para muitas mulheres. A bonitona que olha os homens de baixo para cima parecem também despertar o interesse dos mesmos. Enquanto que homens gentis e românticos parecem menos empolgantes. Enquanto que mulheres que nada fazem para agradar, parecem também as preferidas , as mais assediadas, pois para muitos o interessante é conseguir aquilo que não podem ter. Ok.Ok.Ok. Gente muito fácil pode ser desestimulante. Por outro lado, investir tempo e energia em quem não quer nada com nada, pode ser um baita desperdício.

Obviamente, existe um quê bem patológico neste tipo de preferência. Sim, não relativizarei neste artigo. Gostar de quem não considera as nossas necessidades , de quem nos procura só quando é conveniente não é normal. Gostar de quem nos ignora ou de quem nos coloca em segundo plano não é normal. Denota uma profunda falta de amor próprio. Ou ainda um estranho desejo de ficar vencendo desafios para provar algo para si mesmo, o que cai novamente na falta de amor próprio disfarçada de determinação.

Se enxergamos como interessante quem nos diz não ou quem simplesmente nos evita é porque lá no fundo acreditamos que gostar da gente é falta de bom gosto. Se vemos as pessoas que nos apreciam como menos interessantes é porque nos achamos pouco interessantes.

Investir em pessoas indisponíveis afetivamente falando ou altamente autocentradas, capazes de enxergar apenas as próprias necessidades é lutar contra a própria felicidade. E não uso aqui a palavra felicidade no sentido hollywoodiano do termo. Me refiro à felicidade como bem estar, harmonia, sentimento de que a vida flui com naturalidade.

Tentar se relacionar com pessoas que não querem se relacionar, talvez demonstre um desejo inconsciente nosso, de não querer se relacionar também. Ficou muito complicado?

Sim, muitas vezes, falamos que queremos A ou B, mas na verdade não queremos. Falamos que queremos uma relação séria, mas só investimos em gente que não se compromete com nada nem com ninguém. Lá no fundo, inconscientemente, a gente não quer se relacionar para valer. Por isso, insistimos em nos aproximar de pessoas que não gostam da gente ou que já estão comprometidas com outras pessoas ou que são contra relacionamentos etc

Quem quer mesmo viver o amor maduro, companheiro, com afeto e sem grandes complicações, investe nas pessoas que estão ali, querendo amar e serem amadas, abertas para expor seus sentimentos, revelar suas fragilidades, capazes de aceitar o outro com seus defeitos.

Sim, a vida a dois não precisa ser uma guerra. Não precisa nem deve. Passada a primeira fase da relação, cheia de entusiasmo e euforia, entra uma outra muito mais longa e gostosa: a da relação propriamente dita, onde nos sentimos bem quando percebemos que o outro está bem. Quando o bem estar do outro é tão importante quanto o nosso. E que dividir uma pizza diante da tela da TV ou beber um chopp num barzinho com a pessoa amada pode não ser emocionante, mas altamente reconfortante e realizador.








Viciada em café, chocolate, vinho barato, filmes bizarros e pessoas profundas. Escritora compulsiva, atriz por vício, professora com alma de estudante. O mundo é o meu palco e minha sala de aula , meu laboratório maluco. Degusto novos conhecimentos e degluto vinhos que me deixam insuportavelmente lúcida. Apaixonada por artes em geral, filosofia , psicanálise e tudo que faz a pele da alma se rasgar. Doutora em Comunicação e Semiótica e autora de 7 livros. Entre eles estão "Como fazer uma tese?" ( Editora Avercamp) , "O cinema da paixão: Cultura espanhola nas telas" e "Sociologia da Educação" ( Editora LTC) indicado ao prêmio Jabuti 2013. Sou alguém que realmente odeia móveis fixos.