Hoje, a maioria dos pais trabalha por mais tempo, mais distante, e não tem
como acompanhar direito o cotidiano dos filhos – e menos ainda o processo de
aprendizagem, a evolução na escola. Para isso, recomendo duas providências. A
primeira se resume a um simples olhar nas lições que foram feitas durante o dia.

Olhar não é vigiar, que é uma agressão. É supervisionar. Há uma enorme diferença de postura, de atitude, entre uma coisa e outra. Quem dá uma festa supervisiona os convidados, não os vigia.

A segunda providência exige humildade dos pais perante os filhos. Normalmente, quando uma criança chega da escola, a mãe, ou o pai, chama-o e pergunta, parecendo que está fazendo uma auditoria: “E aí, filhão, o que você aprendeu hoje?”. Mas dá para fazer muito melhor mudando a pergunta: “E aí, filhão, o que você pode me ensinar hoje?”. A resposta provavelmente será a mesma. A diferença está na atitude. Isso vale para a família, para a comunidade, para as empresas. Auditoria é a caça ao culpado para aplicar punição enquanto avaliação é análise de processos para alcançar melhorias.

A possibilidade de que o outro se pronuncie gera uma disponibilidade, cria uma oportunidade para o relato. Muitos pais e muitos educadores reclamam que os filhos não estão abertos ao diálogo. Isso só é verdade quando não se estabelece uma ponte com eles, ignorando um dos princípios básicos da política: não se queimam pontes. Só com pontes se estabelecem conexões. Se não há diálogo com os jovens é porque pais e educadores não encontraram a ponte para se conectar com eles. O maior prazer do ser humano, não importa a idade, é falar de si mesmo. Outro grande prazer é ensinar, pois é uma afirmação de valor, do seu próprio valor.

Pergunte a um jovem como funciona um programa de computador, como baixar uma música da internet, como mudar a aparência da tela do celular. Num primeiro momento, ele pode até reagir com uma risada, com aquela cara de “vai me dizer que você não sabe fazer uma coisa tão fácil?”. Tudo bem, os pais precisam estar preparados para ouvir isso, até porque eles também fazem o mesmo com os filhos em relação a outros assuntos, como uma operação matemática ou a capital de um país. Mas, num segundo momento, se os pais demonstram interesse sincero pelo que o filho pode lhes ensinar, imediatamente cria-se uma ponte, estabelece-se uma conexão. Há aqui uma constatação óbvia, mas que muitas vezes é negligenciada: só sabe ensinar quem sabe aprender. Se eu peço a um jovem que me ensine alguma coisa, isso gera não só uma oportunidade para que ele se valorize como também cria uma predisposição para que ele me escute na hora que
quero ensinar algo.

Se você quer mesmo saber algo de alguém, não o investigue nem o interrogue. Isso só fará com que a pessoa se sinta pressionada, acuada. Mas, se tem interesse legítimo em conhecer algo, se quer uma resposta sincera, pergunte “O que você pensa disso?”. Essa é uma pergunta que pressupõe uma troca. Todo mundo aprende melhor quando há a possibilidade de ensinar a alguém. E todo mundo ensina melhor quando há a chance de também aprender. Em outras palavras, quando existe uma condição de respeito e de igualdade. E a igualdade, no caso, não é financeira, de classe social, nem nada disso. É uma igualdade expressa numa clássica frase do grande educador Paulo Freire, meu mestre: “Ninguém educa ninguém, ninguém se educa sozinho.

As pessoas se educam reciprocamente mediatizados pelo mundo”. Isto é, eu não sou apenas líder, sou também liderado. Não sou apenas chefe, sou também chefiado. Não sou apenas professor, sou também “aprendente”.

Pais e filhos aprendem a sê-los juntos e se ensinam reciprocamente – o pai ensina ao filho ao mesmo tempo em que o filho vai ensinando o pai a ser pai. A própria relação faz com que um mude o outro. Eis, inclusive, uma coisa que vale para todas as relações pessoais, o que torna ainda mais curiosa aquela frase em tom de reclamação que todo mundo ouve mais cedo ou mais tarde, aquele fatídico “quando eu te conheci, você não era assim”. Mas é claro que eu não era! Pois, quando eu te conheci, eu era “sem você”. E, quando eu me tornei alguém “com você”, passei a ser diferente, pois não sou impermeável a mudanças.

A convivência traz mudanças. A coerência contínua é sinal de loucura – uma das maiores
características da loucura é nunca ter dúvidas, é pensar como faz e fazer como pensa.

Convicção absoluta é loucura plena. Quem não tem dúvida faz sempre do mesmo modo. Quem tem dúvida se inova, se reinventa.