Por: FABRÍCIO CARPINEJAR

Você que me lê e não acredita que possa refazer a sua vida, que se julga desprovida de alternativas, que está presa a um casamento infeliz, dependente financeiramente, que tem filhos e colocou na cabeça que não pode se separar e deixá-los à mercê do destino, sem um ofício para sustentá-los. Eu retruco que o desespero é uma miragem: você é capaz de renascer quantas vezes quiser, só precisa de si, não deve seguir um amor que é falta de liberdade, por pânico material.

Não subestime a esperança, não despreze a sua força de vontade.

Minha mãe se separou de meu pai aos 40 anos. Não contava com emprego, conta e bens, era dona de casa, ficou com a tutela dos quatro filhos e a montanha das contas do mês a pagar. Quatro filhos não é pouca boca.

Jamais fui tão feliz na infância. Por não ter nada, éramos tudo um para o outro. Conheci de verdade, por dentro e na prática, a palavra responsabilidade.
Acha que ela permaneceu chorando? Até chorou, mas chorou se movimentando. Não deitou na cama pelo luxo de chorar. Não havia tempo a perder com as lágrimas, elas também corriam apressadas pelo rosto.

Não sei como conseguiu, mas conseguiu. Nosso padrão caiu drasticamente. Ela congelou dobradinha para nosso almoço de segunda a sexta. De noite, comíamos pão com sardinha. Encontrou uma vaga na universidade para lecionar como professora substituta. Um quebra-galho que se apressou em agradecer. De madrugada, estudava para concurso público. Não me lembro dela dormindo. Quando eu ia deitar, a sua cama estava vazia. Quando eu despertava para escola, sua cama continuava vazia.

Obrigada a sair de casa durante o dia, emancipou os filhos. Os quatro receberam a missão do cuidado mútuo, ainda que pequenos e adolescentes. Não era permitido abrir a porta para estranhos. Olhávamos quem chegava pela janela. Eu lavava a louça, Rodrigo arrumava os quartos, Miguel varria, Carla tornava-se a encarregada das refeições.

Foi um período de carestia, mas de imensa solidariedade. Ninguém reclamava à toa. Ninguém brigava. Ninguém protestava pela ausência de chocolate e salgadinhos na despensa ou de dinheiro para merenda como os demais colegas. Entendíamos que experimentávamos uma missão conjunta, um período de exceção, de reconstrução dos laços. Nossa família virou um mutirão. Todos por um, um por todos.

Atravessamos dois anos economizando luz e água, aproveitando as rapas na geladeira, não saindo em nenhum momento para algum restaurante ou festa, abdicando de presentes de aniversário e de Natal, trocando incentivos, de mãos dadas, de braços dados, de riso previamente doado.

Corajosamente, a mãe recuperou os estudos de Direito, sozinha, longe de cursos e apostilas, na base da determinação. Quando passou no exame para a Defensoria Pública, comemoramos com pão e sardinha, para não perdermos o hábito da simplicidade.

Sou filho de uma mulher e tanto. E tenho irmãos que foram também os meus melhores amigos. A crise testa a nossa fé, jamais nos derruba.