A percepção de uma amizade, vinte anos depois…

Para minha amiga médica.

Talvez você nem saiba, mas toda vez que me refiro a você, eu falo assim: “minha amiga médica”. E nem posso dizer que é pelo fato de medicina ser considerado o curso mais difícil do nosso país, mas trata-se de saber onde você chegou. E o tanto que teve que fazer para chegar até aqui.

Você certamente não deverá se lembrar, pois tem uma memória péssima! Certa vez, tivemos uma conversa decisiva para você, quando refletia entre largar o sonho de ser médica, para se tornar aeromoça. Lembra?! Não, você não se lembra.

Há tantos anos atrás, a gente tinha aquela sensação de que iria conquistar o mundo. E sobre isso, nada tinha a ver com a nossa formação. Acho que era aquele sentimento adolescente, enorme, que a gente carregava, a ilusão de que éramos as donas de tudo, do tempo e de tudo que girava ao nosso redor.

É, o tempo passa, e passou para a gente também.

Ao mesmo tempo em que é estranho olhar para trás e perceber que o tempo passou como um avião, é gratificante a certeza do entendimento de tanta coisa que a gente só achava que entendia. Entendia nada. Agora é que a gente compreende de verdade. Mas pode ser que daqui algumas décadas, quando estivermos varrendo a calçada, como boas velhinhas, a gente fale sobre isso e ria do que agora acreditamos. Vai saber. A vida não se cansa de tirar sarro da nossa cara.

Gosto de olhar para trás e ver que você ainda está aqui. Quando é que eu ia imaginar, que no dia do meu primeiro casamento, você iria tomar um porre e chorar copiosamente numa sarjeta, porque sentia que estava perdendo uma amiga? Veja bem: nem em filme alguém pensou em algo assim. Quem chora na sarjeta é o sujeito traído, abandonado, mas hoje eu entendo.

Apesar da pouca idade, você viu bem mais do que eu podia ver. Enxergou meu futuro difícil carregando uma criança e tendo que interromper a minha própria adolescência. Você estava certa. Talvez eu devesse ter saído daquela cerimônia e bebido uma com você… mas tudo aconteceu tão rápido, bem como as mudanças que vieram depois.

Mesmo morando longe, nunca estivemos distantes, exceto quando as diferenças de fases de nossas vidas se tornaram grandes demais. E depois passou.

Você internamente questionou minha precoce gravidez. E depois ficou grata por ela. Viu meu filho nascer, crescer, ir à escola e agora à universidade. Tem a cara de pau de me chamar de sogra. Não se preocupe, seus filhos também estão crescendo e eu vou olhá-los exatamente assim.

A vida me ensinou muitas coisas. Quanto mais o tempo passa, parece que mais difícil fica a arte de se relacionar. Percebemo-nos descartáveis e temporários para provavelmente a maioria. Por tantas vezes me feri, vendo-me assim aos olhos de tantos, mas quando olho para você, vejo a importância de quem eu sou.

Não há palavras que possam agradecer a presença de um amigo de uma vida inteira. Da cumplicidade nos erros, da alegria nos acertos e conquistas.

Raros são os que ficam. Poucos os que nos amam exatamente como somos.

Um verdadeiro amigo é um presente que a vida dá, de tempos em tempos, para nos dar força para continuar, não importa onde.

Dentre tantas fases, lutas, dores e conquistas, saiba que olhar para trás e ver a nossa trajetória, juntas, é o suficiente para me sentir feliz.

A gente achava que ia conquistar o mundo! E conquistamos mesmo!








Brasileira, 41 anos, formada em Tecnologia em Processamento de Dados, pós-graduada em Gestão Estratégica de Pessoas. Atua numa multinacional na área administrativa como profissão. Escritora, colunista e roteirista por paixão. Poliglota. Autora de doze livros publicados de forma independente pelo Amazon, além de quatro roteiros para filme registrados na Biblioteca Nacional. Colunista no próprio site www.carolinavilanova.com e vários outros. Youtuber no canal Carolina Vila Nova, que tem como objetivo divulgar e falar sobre as matérias do próprio site.