Como a economia da atenção estimulou as empresas de tecnologia a hackearem nossas mentes e o impacto disso sobre nossa qualidade de vida

A cena é rotineira.

Tinha sentado para estudar há duas horas. Livros dispostos sobre a mesa, cadernos abertos, canetas alinhadas, tela do word em branco aberta no notebook pronta para os resumos nunca iniciados quando se deu conta de que não tinha feito nada. Estava há duas horas entre vídeos de cachorros e textões no Facebook. Dessa vez se sentiu impotente. Ele precisava do relaxamento daquela distração tão facilmente obtida.

1. Eu paro quando quiser
O uso das redes sociais vêm nos tornando mais miseráveis.

A quantidade de evidências indicando isso fica cada dia maior. Elas aumentam níveis de ansiedade, depressão, stress (com impacto significante em nível sérico de cortisol, o “hormônio do stress”). Pioram a auto-estima, a qualidade do sono e erodem a capacidade de relação interpessoal, com correlação entre quantidade de uso e sensação de solidão.

Existiam dúvidas se a causa desses efeitos era devido a forma de uso das mídias sociais. Ou se pessoas mais propensas a se sentir dessa maneira, por causa disso usavam mais redes sociais. Mas os últimos estudos mostram que o mero uso já está negativamente associadas com bem-estar e satisfação de vida para qualquer um.

As razões para isso são diversas. Uma ideia que é central para o funcionamento das redes sociais é o FOMO (Fear Of Missing Out) ou medo de ser deixado de fora. É um sentimento inato ao nosso ser social que conhecemos intrinsecamente das nossas experiências. Pense quando um grupo de pessoas ficou fazendo piadas internas sem te informar, ou quando você não pode aparecer numa festa e fica pensando no que pode ter perdido.

FOMO sempre existiu, e trouxe consigo stress e ansiedade, de saber o que os outros estão fazendo, se estão se divertindo mais que você. A questão é que redes como o Facebook e o Instagram exponenciaram esse sentimento ao te permitir se comparar a cada segundo com milhões de pessoas que estão 24h por dia se divertindo nas Bahamas, enquanto você está usando o celular debaixo das cobertas. Se comparar com os outros, ainda mais num ambiente forjado e controlado como o das redes sociais, faz com que muitos pessoas criem expectativas irrealistas, diminuam sua auto-estima e desenvolvam depressão.

E além de fomentar ansiedade, outro problema do FOMO é que a retroalimentação dele é positiva. Quanto mais você acha que está de fora, e sabendo menos da vida dos outros que a aproveitam, mais você checa suas notificações e seu feed a cada minuto pra se manter “por dentro” e mais ansioso você fica.

Essa própria pressão – de se manter conectado – surge muitas vezes dos nossos próprios amigos. Toda vez que citam um vídeo, ou um meme, que você não conhece, isso te estimula a se manter mais tempo conectado e informado. E você aos outros.

E essa necessidade de saber tudo sempre o tempo todo, causa um sentimento que vem sendo nomeado de Síndrome do Pensamento Acelerado. Basicamente uma sobrecarga nos nossos circuitos devido a um excesso de informação, estímulos sonoros e visuais constantes. Causando mais ansiedade, flutuações de humor, déficits de memória e uma fadiga mental generalizada. E mesmo assim continuamos retornando.

E esse uso contínuo, até na cama antes de dormir, impacta na qualidade e quantidade de sono. A luz emitida por nossos aparelhos possui uma quantidade maior de comprimentos de onda azul que a luz natural. Esse espectro pode impactar na secreção de melatonina (o hormônio do sono) e prejudicar um período de descanso. E problemas de sono, já são sabidamente correlacionados com (novamente): depressão, cansaço, irritabilidade.

Citei apenas alguns fatores implicados na causalidade da sintomatologia de pior qualidade de vida causado pelo uso constante das redes sociais. Por que então não conseguimos parar? Será que os benefícios que esses sites trazem são tantos que relevamos tudo isso?

Minha tese é outra. Nós estamos viciados.

Nós fomos viciados. Porque mais de 40 anos de pesquisa psicológica comportamental conseguiram descobrir toda nossa irracionalidade. E como alcançar ela. E todos os engenheiros sociais do Vale do Silício passam o dia se esforçando para introduzir esses conceitos em seus produtos. Maneiras de acessar nosso cérebro inconsciente e ativar o interruptor do centro de prazer e recompensa. Só o suficiente para que continuemos voltando incessamente a uma ferramenta que nos causa mal.

E não sou eu que estou dizendo isso. Mas muita gente que está dentro do Google, Facebook, percebeu isso. E estão tentando nos salvar desse sequestro.

2. A Economia da Atenção

Para entender como chegamos até aqui, precisamos antes entender o que move esse sistema. Quem ganha o quê ao te grudar na tela.

O nascimento e crescimento da internet foi uma das maiores revoluções da história. O acesso a (qualquer) informação foi facilitado à distância (literal) de um dedo. Posso aprender mais sobre a fabricação de sapatos tailandeses no café da manhã e em seguida me aprofundar no estudo de teoria musical pelo Youtube. E isso é, sinceramente, maravilhoso.

Existe aí um único impeditivo para aproveitar todo esse conhecimento. Um único recurso escasso que estou gastando minuto a minuto ao longo do dia, a cada vez que escolho abrir o facebook, e a cada letra que coloco nesse texto. Minha atenção.

A transformação econômica das últimas décadas levou cada vez menos trabalhadores a estar envolvidos com processos produtivos de criação, transporte e distribuição de produtos, mas trabalhando com informação. O que levou muita gente a classificar o momento vivido como uma Economia da Informação. Mas frequentemente a economia de uma sociedade é definida a partir de seus recursos escassos. Pense em uma economia agricultora na escassez de terra medieval e uma economia industrial baseada na escassez de trabalho. Em um mundo baseado em informação, sobrecarregado dela, a atenção individual é a commodity que todos estão atrás. Ou como foi colocado por Matthew Crawford: “Atenção é um recurso – algumas pessoas têm apenas uma quantidade limitada dela”.

Esta é a teoria da Economia da Atenção. Termo criado na década de 1970 por Herbert Simon e popularizado depois da consolidação da web no fim dos anos 1990 pelo físico Michael Goldhaber. Você não precisa mais gastar dinheiro para estar consumindo. Você está gastando outra moeda de troca. Sua atenção.

E essa foi a base sobre qual a internet se construiu e conseguiu se monetizar. As propagandas (ads) online que ainda movem grande parte do lucro dos sites pagam de acordo com essa lógica. Quanto mais acessos (views) um site consegue, mais ele recebe. E quais sites recebem mais visitas? Os mais eficazes em conquistar sua atenção. Isso levou a vários problemas como as manchetes enganosas, notícias escolhidas a dedo para gerar indignação, as listas do Buzzfeed. Todas estratégias buscando mais cliques. Há uma discussão em curso para mudar os problemas inerentes a esta maneira de remuneração para uma que privilegie uma métrica de tempo de permanência na página. A ideia é que isto estimularia um conteúdo de mais qualidade. Ou levaria as plataformas a ficar ainda mais eficazes em estimular o compromisso (engagement) individual com elas e reter cada vez mais pessoas.

Ou seja, as mídias sociais, os sites, estão jogando a partir das regras que estão postas. Citando Adam Alter, autor do livro Irresistible: The Rise of Addictive Technology and the Business of Keeping Us Hooked (em tradução livre algo como: “Irresistível: a ascensão da tecnologia viciante e os negócios de nos manter fisgados”, ainda sem tradução no Brasil):

“Eu não creio que as empresas de mídia social estão tentando fazer plataformas ‘viciantes’ per se. Mas como todas estão competindo pelo nosso tempo e atenção (limitados) elas sempre estão focadas em criar a experiência mais cativante possível”.

O problema nasce da tendência dessas plataformas de maximizar seu lucro, da necessidade de conquistar cada vez mais sua atenção para não perder para o concorrente.

Ganha quem for capaz de criar um hábito, quem conquista o tempo do usuário. O presidente da Netflix, mais ou menos brincando, disse que seus 3 maiores concorrentes são o Youtube, o Facebook e o sono das pessoas. Afinal de contas são oito horas por dia que você não está gastando sua atenção ao ficar deitado na cama.

Ao ver um estudo americano com 205 pessoas entre 18 e 85 anos que concluiu que o desejo de estar diariamente em alguma rede social é maior que o desejo de dormir ou descansar, te faz refletir o quão assustadoramente eficiente as grandes empresas da internet estão ficando em redirecionar nossa atenção para fora do nosso controle. Tanto que nem percebemos mais.

Em 1997, Michael Goldhaber previra “a possibilidade que a demanda cada vez crescente pela nossa limitada atenção vai nos impedir de refletir ou pensar profundamente, quanto mais de aproveitar o lazer, o tempo de descanso”. Sua maior vontade num fim de semana envolve o quê? Poder usar desse tempo para saciar desenfreadamente da internet ou aproveitar o tempo com pessoas próximas? Pense bem antes de responder.

3. O casamento perfeito
Ao longo da adolescência da internet, durante os anos 2000, nos idos de ICQ, Orkut e MySpace existia uma quantidade limitada de técnicas que podiam ser usadas para agarrar sua atenção quando a relação de uso da internet dependia de se sentar em frente ao computador. Claro que já existiam estudos na área de vício na internet e o World of Warcraft ia deixando vítimas uma quest por vez.

Mas tudo parecia pontual e envolvendo pessoas em situação de risco. Estávamos longe da estimativa recente de dois bilhões de pessoas cadastradas em alguma rede social, gastando em média duas horas por dia nesses sites. Ou as oito horas diárias que os brasileiros passam na internet (somados computador e celular).

Quando essa é a norma, fica difícil distinguir entre hábito e abuso. O que permitiu este avanço?

Tudo mudou no eternizado dia 9 de janeiro de 2007 com o anúncio do Iphone.

O surgimento do smartphone e o impacto dele sobre a sociedade é inegável, ainda que de tão recente difícil de mensurar. Mas é só pensar na quantidade de aparelhos e itens que ele extinguiu nos últimos 10 anos. Mapas, MP3’s, câmeras, agendas, calendários. O último levantamento do IBGE mostra que o smartphone é a principal forma de acesso à internet para maioria dos brasileiros. Daqui alguns anos mais pessoas terão acesso a um smartphone do que à água corrente. Em suma, ele se tornou essencial.

Ele está conosco da hora que acordamos, no banheiro, no ônibus, no almoço e antes de dormir. Na alegria e na tristeza. Ele é uma ferramenta – não é bom ou mau – ubíqua que nos permite acessar e sermos acessados ininterruptamente. E essa é uma combinação perigosa. Ou uma oportunidade.

O smartphone foi o que permitiu a expansão da economia da atenção. Ele é a razão da existência do Instagram e do Snapchat. Da explosão do Twitter e do Facebook. Cada marcação em uma foto que precisava esperar o dia todo, até meu retorno para casa e ligar o computador para ser conferida, cada retweet, ou novo vídeo daquele canal do youtube que adoro, agora é visualizada instantaneamente ao sentir a vibração em meu bolso.

E já que puxei o celular, porque não ficar mais um tempinho e checar só esse email?

A possibilidade virtual de acessar a internet a qualquer minuto que o smartphone permite, significa que cada minuto é uma oportunidade para você se engajar na internet e gastar sua atenção. Gastar seu tempo. E fazer alguém ganhar mais dinheiro. Quanto mais você usar o celular e menos viver, mais as grandes companhias de internet estão vencendo. E a magia delas é fazer você crer que quer estar ali no celular. Porque é prazeroso. Porque elas descobriram como te manter ali.

E se a saída parece tão fácil quanto clicar no botão desligar, não esqueçamos que como comentei o celular é essencial hoje. Ser um eremita digital não parece possível e nem é desejável. Então talvez a solução seja ter um pouco de vontade e deletar o Facebook. Para citar o Tristan Harris, o grande defensor do design ético no Vale do Silício hoje:

“O que o papo de ‘força de vontade’ não compreende é o fato de existirem mais de 1000 pessoas do outro lado da tela cujo trabalho é derrubar toda auto-regulação mental de escolha que você possui”.

Cada detalhe do design desses aplicativos, cada escolha de cor e musiquinha, serve ao interesse comercial de capturar quanta atenção for possível.

As grandes empresas da internet dominaram o Design Persuasivo.

4. Design Persuasivo

No seu ótimo livro de 2012 Addiction by Design: Machine Gambling in Las Vegas (Vício através do Design: Máquinas de Aposta em Las Vegas, em tradução livre), a autora Natasha Döw Schull demonstra todas as técnicas usadas pelos fabricantes de máquinas caça-níquel para manter os apostadores engajados e derradeiramente viciados. O vício em jogos de azar é um dos poucos reconhecidos pelo DSM (Manual de diagnóstico de desordens mentais). Mas enquanto a culpabilização frequentemente cai sobre as pessoas, pouco se comenta sobre o potencial aditivo intrínseco do jogo. Principalmente do caça-níquel, em que cada detalhe foi estudado e desenhado para te manter na “zona” (como os viciados em jogo se referem, ao estado de graça em que todas as preocupações desaparecem e o tempo parece voar) enquanto continua a te derrotar e retirar dinheiro.

Essas máquinas operam sobre o príncipio de uma Caixa de Skinner, nomeada em homenagem ao famoso psicólogo behaviorista B. F. Skinner que descobriu o conceito. Em seu experimento na década de 1960, um pombo era colocado em uma gaiola com uma alavanca. Toda vez que a alavanca era acionada o pombo ganhava uma comida. Entretanto Skinner percebeu que logo os pombos paravam de apertar a alavanca, tendo a certeza de que ganhariam sempre. Então ele começou a testar frequências diferentes em que cada clique recompensaria o pombo com comida. Ele descobriu que poucas recompensas frustravam o animal, mas que um número mágico e inconstante em que os pombos ganhavam a comida entre 50 a 70% dos cliques, fazia com que os pombos puxassem a alavanca duas vezes mais.

Esse é o princípio por trás do que foi chamado de Sistema de Recompensas Variáveis e Intermitentes (SRVI). É o princípio por trás da antecipação do caça-níquel cada vez que a alavanca (que coincidência) é puxada e os símbolos começam a girar.

Também é o princípio por trás do News Feed, cada vez que você abre o Facebook e atualiza o feed, há uma pequena demora (já percebeu?), que cria uma antecipação do que virá a seguir. Você pode ganhar uma notícia irrelevante, um meme engraçado, uma foto nova do crush…

Cada vez que você abre o aplicativo é uma aposta. Assim como no Instagram ou no Twitter. Quando você posta uma foto nova, um link interessante, atualiza seu status, é uma aposta pra ver quantos likes vão te retornar.

Ou quando você puxa o celular do bolso. Será que vai ter alguma notificação no Whatsapp? Algum email novo? E como checamos o celular em média a cada 150 vez por dia, estamos estimulando esse circuito do SRVI frequentemente. Estamos girando nosso caça-níquel de bolso.

O que foi descoberto é que essa antecipação, essa expectativa positiva da recompensa, libera frações de dopamina no sistema de recompensa cerebral gerando uma pequena sensação de prazer, de quantidade suficiente para te manter fisgado e retornando.

E se ter um vício em uma atividade, como o jogo de azar, que te faz perder dinheiro já é ruim o suficiente, imagine um vício que te faz perder seu tempo, o único bem que você nunca poderá obter novamente.

E o SRVI é apenas um dos métodos cognitivos que são explorados para nos manter presos.

Outro famoso experimento é o da sopa sem fundo. O professor Wansink, tentando entender o quanto a forma que as opções nos são apresentadas influenciam nossas escolhas, selecionou dois grupos. No primeiro havia um prato fundo normal com sopa em que os participantes comiam. No segundo grupo, sem saberem, a sopa era reposta pelo fundo do prato e nunca chegava ao fim. O resultado foi que o grupo do prato infinito consumiu 73% mais sopa, apesar de não relatarem se sentir mais saciados que o primeiro grupo.

Lembre agora do feed infinito do Facebook, do Instagram, Pinterest… Você pode continuar consumindo sem sequer se sentir saciado. E o FOMO que foi mencionado no começo do texto, potencializa a necessidade de uso contínuo. Afinal de contas, talvez seja no próximo post que eu ver, após os 300 que já passaram, que estava aquela informação importante que eu queria. Ou a próxima pessoa que eu deslizar para a direita, o amor da minha vida no Tinder.

Aliás lembram do casamento perfeito? O smartphone permite esses pequenos gestos que se incrustam no subconsciente e reforçam o uso. “Pull to refresh”, “Swipe left”, “Scroll down”. O mero ato de tirar o celular do bolso é um ato que intuitivamente realizamos às vezes sem razão (consciente) para pegá-lo. Toda essa resposta tátil gera uma necessidade física semelhante a do fumante que precisa segurar algo entre os dedos, pela associação entre o prazer do ato e o movimento físico. Cria-se uma correlação na memória. Não é a toa que lançaram um celular fake de plástico, com dimensões semelhantes, para as pessoas que estão tentando reduzir seu uso de smartphone carregarem por aí e reduzirem essa ansiedade que surge da falta de ter uma paralelepípedo de metal entre as mãos.

Outro estudioso que influenciou muito os designers do Vale do Sílicio é o professor B. J. Fogg do Stanford Persuasive Tech Lab. Dentre seus alunos estão vários profissionais da Apple, Google, Facebook, inclusive um dos criadores do Instagram. E toda pesquisa dele se baseia em Design Comportamental ou como mobilizar as pessoas? Como criar hábitos?

Uma das suas descobertas é que para alguém fazer algo, é muito mais eficaz diminuir os impeditivos da realização da tarefa do que motivar a pessoa para fazer o que precisa.

Quando o Youtube instaurou o auto-play no fim dos vídeos, foi para retirar barreiras entre você e o próximo vídeo. É também a razão que explica os 5 segundos entre um episódio e outro no Netflix. Não exija nada do usuário e ele é mais capaz de permanecer no seu serviço.

Outro mecanismo recente é o “Snap Streak” do Snapchat. Cada dia que você manda uma foto para seu amigo, sua sequência aumenta. Então vários adolescentes se sentiam compelidos a continuar usar o aplicativo e mandar fotos (nem que fossem de paredes) para não perder os 100 dias conquistados. É uma ideia baseada no conceito explicitado pelo jogo do leilão de 1 real. O medo de perder seu progresso – o que você já conquistou – te faz continuar indefinidamente mesmo quando as consequências já são negativas.

As redes sociais alcançam um dos nossos mais fundos desejos individuais. É um grande motivador que explica o potencial viciante destes sites frente à outros. A motivação advinda da necessidade de aprovação social.

O like existe pra isso. Validar e presentear nossas inseguranças. Nos fazer sentir bem pela reciprocidade social. Se sentir parte de um grupo. É por isso que o algoritmo do Facebook te mostra com tanto vigor quando as pessoas (mesmo as mais distantes) mudaram a foto de perfil. É um grande momento de fragilidade pessoal, de exposição pública, que deverá ser recompensado pelo maior número de curtidas e reforçar esse prazer.

O cérebro libera neurotransmissores relacionados com prazer e formação de hábito, frente a interações sociais. E os maiores gatilhos para essa liberação são outras pessoas: você e seus amigos e seguidores, constantemente estimulando os outros a usarem o serviço por mais tempo.

O que um estudo encontrou foi que, similar a muitos vícios, a ativação do sistema de recompensa e o aumento de dopamina através desta resposta social pode gerar uma estrutura de dependência para o uso excessivo das redes sociais. Inclusive outros trabalhos indicam que o uso prolongado de internet leva a redução de transportadores de dopamina. A autora de uma revisão sistemática argumenta que 26,3% dos jovens estadunidenses preencheriam critérios para o diagnóstico de Vício em Internet. O que representa uma fatia de pessoas maior do que do abuso de álcool e drogas para essa idade.

O problema é que todas essas técnicas priorizam aumentar o tempo que você gasta no serviço do que o prazer que você desfruta em fazer isso. Não há um respeito pelo desejo individual. Elas são todas projetadas para alcançar nosso cérebro e capitalizar em seus instintos, peculiaridades e falhas.

O comportamento humano é movido em parte por sucessivos cálculos de custo-benefício que determinarão se um ato será realizado uma, duas, cem vezes ou nunca. Quando os benefícios superam os custos, é difícil não voltar a realizar aquela ação continuamente, particularmente quando todas notas certas de recompensa cerebral são tocadas. Todas as grandes techs realizam testes com milhões de usuários para aprender quais modificações funcionam e quais não. Qual cor de fundo, fonte e frequência de som maximizam o tempo permanecido no app e quais diminuem a frustração com ele. Conforme esse experimento evolui, ele se torna irresistível, uma versão nuclear da experiência que um dia já existiu. Em 2004, o Facebook era divertido, hoje ele é viciante.

5. iGen

Estabelecido que o uso desenfreado das redes sociais e dos smartphones traz consequências para nossa qualidade de vida e de que existem diversas técnicas que são exploradas para nos manter engajados e passando cada dia mais checando a telinha, o que o futuro nos reserva? Há algum impacto social devido à forma que estamos gastando nossos dias?

Num dos melhores textos que li em 2017, a pesquisadora geracional e professora de psicologia da Universidade de San Diego, Jean Twenge apresenta diversos dados, colhidos a partir de entrevistas realizadas anualmente desde os anos 1980 nos Estados Unidos com adolescentes entre 12-18 anos, que apontam o impacto que o uso do smartphone causou sobre a geração que cresceu junto dele. A geração nascida após 98-99. A iGen.

O comportamento desses adolescentes, os primeiros que cresceram junto de smartphones e rede social, os que já possuiam uma conta no Instagram antes mesmo de estarem no ensino médio, mostra mudanças significativas na forma que eles experimentam o mundo quando comparados com a geração anterior. O que chamou a atenção da autora. Frequentemente as tendências que vêm a definir uma geração aparecem suavemente, já podendo ser sentidas na geração predecessora. Mas os comportamentos analisados para os iGen’ers criam gráficos abruptos. Esse padrão começa a mudar após 2012, coincidentemente o ano em que foi ultrapassado a porcentagem de 50% da população estadunidense que tinha um smartphone.

Essas mudanças afetam todo aspecto da vida desses adolescentes, da natureza das suas relações sociais até a saúde mental. E essas mudanças podem ser sentidas em toda esta faixa etária. Não importa a demografia, a tendência é universal, em jovens ricos ou pobres, de cidades grandes ou pequenas.

Os resultados da pesquisa revelam que eles saem menos de casa. Seja com os pais ou com os amigos. Afinal de contas podem se comunicar com quem quiserem sem sair da cama. O número de adolescentes que relatam saírem para se encontrar com os amigos caiu 40% num período de 15 anos a partir de 2000. Os dados desmistificam também a teoria de que a possibilidade de comunicação contínua fariam esses jovens estar mais integrados com seus amigos. O sentimento de solidão para essa idade atingiu um pico desde 2013 e continuam numa alta histórica desde então. Os adolescentes que responderam que usam redes sociais diariamente e visitam menos seus amigos foram os mais prováveis a concordar com as afirmações “Muitas vezes eu me sinto sozinho” e “Frequentemente me sinto deixado de fora”.

A correlação do tempo gasto no celular com infelicidade é inegável. Dentre as mais de mil perguntas do questionário, perguntando sobre diversas atividades realizadas por essa faixa etária, os jovens que em média passam mais tempo em atividades fora da tela são os mais contentes. Não há exceção em nenhum grupo. Quem relatou gastar mais de 10 horas por semana em redes sociais tinham 56% mais chance de admitir estar infeliz. E dentre 6 a 9 horas, 47% mais probabilidade de infelicidade que quem passa menos tempo curtindo e checando Instastories.

O contrário acontece com interações interpessoais. Quem estava acima da média na quantidade de tempo gasto pessoalmente com os amigos possuía 20% menos resposta de infelicidade frente aos que estavam abaixo da média nesse quesito.

Interações pessoais online não são diferentes das suas partes reais apenas pelo quesito físico. Elas são mensuravelmente piores. Humanos aprendem compreensão e empatia ao assistir o efeito de suas ações sobre outras pessoas. Não há como esses sentimentos aflorarem sem uma resposta imediata de causa e efeito. E mesmo assim é uma habilidade que leva tempo para se formar. Uma análise de estudos entre 1979 e 2009 encontrou que os níveis de empatia diminuíram entre universitários. Segundo a psicóloga Catherine Steiner-Adair:

“Mensagens de texto, através de qualquer mídia, é o pior campo de treinamento possível para qualquer um aspirando à uma relação madura, sensível e amorosa”.

Na redes sociais eles são menos propensos a entender a perspectiva dos outros e se preocupar com o que outras pessoas podem estar passando. Twenge descobriu que 1 em cada 3 garotas entre 12 e 16 anos disse que as pessoas são majoritariamente desagradáveis online. E como todos adolescentes estão presos nesse ambiente, a má reciprocidade só cresce.

Os encontros românticos sofreram também de acordo com a pesquisa. Na era dos emojis, apenas 56% dos adolescentes de 17 anos relataram ter saído num encontro frente a 85% das suas contrapartes da Geração X e Baby Boomers. Eles estão fazendo menos sexo também. Os gráficos são todos decrescentes em todas faixas etárias nos últimos anos. Não à toa que 1 em 3 jovens reportou que sentiria mais falta do smartphone do que de sexo.

Essa geração parece não ter muito interesse em aprender a dirigir também. Um dos grandes paradigmas da geração retratada por John Hughes, o carro e a liberdade associada com ele não parece interessar tanto os jovens de hoje. Mais de 25% dos adolescentes terminam o ensino médio sem uma licença para dirigir (lembrando que nos EUA a idade para dirigir é de 16 anos). Quando se sai menos de casa, e existem Ubers por todo lado, porque se preocupar?

Outro parâmetro que tem sofrido nos últimos anos é a quantidade de horas de sono dos adolescentes. Dormindo com os celulares do lado da cama ou debaixo do travesseiro, 57% a mais dos jovens podem ser classificados como privados de sono (dormindo menos de 7 horas por noite) do que em 1991 mostram os dados da pesquisa. E os efeitos da falta de sono, novamente, podem ser associados com diversos problemas: pensamento acelerado, falta de atenção, comprometimento imune, ganho de peso, ansiedade.

São todos dados que explicam outro achado que explodiu nos últimos anos. Nos níveis de depressão e suicídio entre adolescentes. Dentre os jovens de 14 anos que são usuários frequentes de redes sociais, o risco de depressão aumenta 27%. Os sintomas depressivos aumentaram 21% entre meninos de 2012 até 2015 e 50% para as garotas.

Desde 2007, enquanto as taxas de homicídio entre adolescente tem diminuído, a taxa de suicídio cresceu. Como os adolescentes começaram a passar menos tempo juntos, eles possuem menos chances de matar uns aos outros e, passando mais tempo sozinho em seus quartos, mais probabilidade de cometer suicídio. Em 2011, pela primeira vez em 24 anos nos Estados Unidos, a taxa de suicídio juvenil ultrapassou a de homicídio.

Twenge, acertadamente, atenta que o objetivo de um estudo geracional não é sucumbir a uma nostalgia e a um elogio ao jeito que as coisas costumavam ser. Algumas mudanças são positivas e outras negativas. Passando mais tempo no conforto do quarto, esses jovens são menos propensos a participar de um acidente automotivo, se embebedar, e os níveis de gravidez na adolescência vêm caindo.

Psicologicamente no entanto eles estão mais vulneráveis do que nunca. A conclusão é de que esses adolescentes e os que virão, estão à beira do abismo de uma crise de grandes proporções na saúde mental.

Se os celulares e as redes sociais se fizeram indispensáveis, como escapar desta miríade de efeitos deletérios e se libertar dos grilhões do vício?

Essa é a pergunta que venho tentando me fazer diariamente. Esse é o tipo de atenção plena que temos que ter frente nossa interação com a tecnologia.

Partindo do princípio de que desejo mudar a forma de utilização do celular, e emprestando alguns conceitos de terapia cognitivo-comportamental, é preciso entender quais os benefícios que essa interação me proporciona, quais os desejos subjacentes que ela supre e de que maneira eu gostaria de usufruir disso na minha vida. Não é problema nenhum checar o Facebook na fila de espera do ônibus, mas sabendo que ele atrapalha meu foco no trabalho é importante que eu conscientemente escolha abrir o app depois que eu terminar a tarefa que estou realizando. Retomar o controle da minha atenção para orientá-la no que me é importante.

Mesmo assim, existem os diversos truques psicológicos que são usados para desviar nosso foco. Apenas a força de vontade não é suficiente para mudar um hábito. Aprendendo a usar o design comportamental a nosso favor, existem técnicas que facilitam a reconquista da atenção.

Se essas empresas tentam várias maneiras de reduzir as barreiras entre o uso e o serviço, podemos criar nossos próprios impeditivos. A mera mudança de colocar o aplicativo do Facebook dentro de uma pasta na segunda página do celular, me obrigando a clicar duas vezes mais para abri-lo, foi o suficiente para diminuir o número de vezes por dia que eu usava o Facebook intuitivamente, gastando pelo menos uns 5 minutos fora a quebra de concentração.

Outro ato ao nosso alcance é desligar todas as notificações (no Android e iOS) que não sejam relacionadas a pessoas (Whatsapp, Messenger, SMS). Não preciso da tela do meu celular acendendo e vibrando toda vez que um vídeo novo chega no Youtube, que alguém curte uma foto minha no Instagram ou uma notícia desinteressante aparece no Flipboard. Não é necessário desativar todas, mas saber o que eu considero importante para mim e respeita meu tempo, posso tomar uma decisão mais positiva relacionado ao que eu quero saber sobre.

Outro facilitador para manter atenção ininterrupta é ativar o modo avião quando começar atividades mais longas e que demandam mais concentração. Segundo minha experiência, até agora ficar sem Wi-Fi por uma manhã não causou terremotos em nenhum lugar do mundo.

Claro que as situações diferem diariamente, e há situações que é impossível ficar incomunicável. Um truque que pode ser usado é tirar a cor da tela do celular. Sobrando só tons de cinza, o apelo visual das milhões de cores vibrantes utilizadas pelo display 1080p diminui seu apelo de nos manter hipnotizados.

Existem apps para combater apps. Por exemplo, o Moment no iOS, que revela quanto tempo é direcionado para quais aplicativos no celular. O StayFocusd no Chrome, que permite que o usuário decida quanto tempo ele pretende permitir de uso de diferentes sites. O Flux para PC e Mac, muda o tom de luz azul emitido pelos computadores para uma frequência de onda mais amarelada e natural do entardecer, melhorando a qualidade de sono. O NightShift, que a Apple estreou no iOS 11, faz a mesma coisa no iPhone. Sobre o sono aliás, coloquei um alarme analógico no quarto e passei a carregar o celular na sala, após cronometrar quanto tempo eu passava, sem perceber, no celular antes de dormir e principalmente logo ao acordar.

Por fim, a decisão mais importante que tomei, foi voltar a olhar para as pessoas em vez de olhar para o celular. Nos jantares familiares e nas rodas de conversas de amigos no bar. Claro que é mais cômodo sacar o celular do bolso e evitar ter que falar sobre frustrações profissionais com aquela tia distante, ou passear no Facebook em vez de discutir aquela situação complicada com minha parceira antes de dormir

Mas ao final do dia, é a conexão com outras pessoas, conexões reais, que contam e nos fazem sentir completos. Nossa presença, nossa atenção completa, é o que de mais importante podemos dar para os outros.

Reconhecimentos
Grande parte do texto foi inspirada pelo ativismo que vem sendo realizado pelo Tristan Harris e sua empreitada Time Well Spent. Essa TED Talk dele é um ótimo ponto de partida. Em português tem essa ótima tradução no Papo de Homem.

Os diversos textos que foram publicados nos dois últimos anos apontando para as técnicas de design persuasivo. No New York Times, The Economist, The Guardian, Vice.

Ao canal de Youtube do Will Schoeder, que produz um dos melhores conteúdos que já encontrei na plataforma, e me fez conhecer mais sobre economia da atenção.

Jean Twenge e sua pesquisa fantástica na The Atlantic que me fez ter a epifania e concatenar todas essas informações que estavam dispersas na minha cabeça.

Diversos livros que foram esclarecedores e permitiram me aprofundar no tema. Adam Alter traçando o panorama do Vício e Design Comportamental, Natasha Döw Schull e o agregado de décadas de pesquisa em como designers da experiência dos cassinos e caça-níqueis projetam o vício. Nancy Colier recuperando a importância do tempo desconectado. Sherry Turkle nessa linha mas sobre retomar a arte das conversas pessoais.

Obrigado a todos vocês.