O único tempo que não encurta é o tempo presente. O tempo futuro vai estreitando na medida em que o tempo passado faz download . Mas não precisa ser triste. É só um alerta do tempo para você se apressar, largando pelo caminho projetos muito complicados, que não cabem mais no tempo restante, e investindo em sonhos sob medida, ideais para o tempo de ser feliz.

Rodei a caixinha amarela mais uma vez na mão. Pesada. Cinco mil grampos. Insisti com a vendedora, sem muita convicção:

– Tem certeza de que não tem menor?

– Não tem… – ela já demonstrava certa impaciência – custa só 8,90. Faço por R$ 8,00.

Mas não era o preço. Provavelmente, se ela tivesse uma caixa com a metade dos grampos por 10,00 esta seria minha opção. Deixei a loja e rumei para a casa com a embalagem na mão. Cinco mil grampos. Aquilo não me saia da cabeça.

Eu grampeio folhas sazonalmente: documentos que vão para o escritório de contabilidade, outros que ficam para minha própria organização e ainda faço bloquinhos com sobras de sulfite, que uso como rascunho. Em um mês, devo gastar seis ou oito grampos no máximo, contando aqueles que entortam dentro do grampeador e precisam ser descartados. Portanto, em 50 anos, a caixa de grampos ainda terá o produto disponível para mais algumas grampeadas.

O escritório não existirá mais. Nem a gaveta onde eu guardo o material. E provavelmente nem os documentos que eu grampeio e despacho como parte burocrática de minha rotina. E nem minha rotina. E nem eu. Acho que foi a primeira vez que senti a efemeridade de maneira tão palpável.

A estranheza de estar carregando algo tão simples e que duraria mais do que eu não era propriamente triste, mas levava a algumas reflexões sobre o tempo. O tempo restante.

Quanta coisa por fazer, quantos planos que já não cabem mais nesse intervalo entre o agora e o fim. Alguns, talvez, nem eram tão imprescindíveis assim, como andar de skate. Terminar de escrever um livro ainda é possível, mas posso esquecer minhas pretensões de mochilar pela Europa.

Pensando bem, essa nunca foi uma aspiração verdadeira. Não me dou bem com mochilas, preciso de malas um pouco maiores. E a ideia de dormir em uma estação de trem em Liverpool por não ter sido britânica no horário não me agravada aos 18 e continua não me agradando agora. Devo ter visto isso em algum filme, achei aventureiro e me apossei do projeto. Mas eu não sou aventureira.

É uma tendência: nos flagelamos por aquilo que deixamos de fazer, esquecendo o fato de que, na real, o sonho nunca foi nosso. Parece até auto-sabotagem.

Outro dia me peguei folheando uma revista de vestidos de noiva e um pensamento adolescente romântica tomou forma: “nunca vestirei um desses…”, suspirei. Impressionante. Quando foi possível usar um traje do gênero eu rechacei a ideia. Aquilo não era pra mim. Porém, agora, sem nenhum contexto que torne viável a vestimenta, bingo: o pensamento sabotador chega galopante.

Talvez o grande exercício seja este: nos livrarmos desse peso desnecessário de frustrações que, na verdade, nem são frustrações porque nunca foram incluídas na categoria de plano. Funcionam apenas como uma desculpa para transformarmos nossas vidas em um muro de lamentações, para alimentarmos a sensação de autocomiseração. É uma armadilha fácil de cair. Enquanto nos concentramos nos objetivos que ficaram pelo caminho, perdemos o foco no tempo presente, aquele que realmente importa e sobre o qual ainda temos algum domínio.

Postergar projetos fazendo com que dependam de terceiros ou de fatores alheios a nossa vontade é uma maneira ímpar de se sentir vítima. Às vezes dá para confundir até com altruísmo: “não posso ir para onde gostaria porque tenho pessoas que dependem de mim”. Diria que isso não é um plano. É um anti-plano. E o recado é o seguinte: sou frustrado porque existem obstáculos intransponíveis entre eu e meu sonho.

E não há estratégia para contornar o obstáculo. Pior: não existe nem um projeto para conquistar o objetivo, caso o empecilho não existisse. Simplesmente porque não é um objetivo. Há apenas uma pessoa disfarçando a incapacidade de sair do lugar e elevando sua autocomiseração à potência máxima. Pior: colocando a culpa em inocentes. Tire todas as barreiras e garanto que em mais de 80% dos casos essas pessoas encontrarão uma maneira de se manter exatamente no mesmo lugar.

Mas não sair do lugar custa caro. Os anos fogem da gente. A árvore de Natal parece já fazer parte da decoração da sala. Ela ficou mesmo 11 meses dentro do armário? Uma hora dessas, ao abrir a caixinha de grampos, talvez só restem alguns, insuficientes para nos grampear de volta à vida.








Oi, tudo bem? Sou jornalista, formada pela Universidade Metodista de São Bernardo. Profissionalmente atuo como articulista e gero conteúdos para fins diversos. Mas textos sobre saúde e comportamento ganham meu coração e minhas madrugadas. É quando converso comigo mesma e, por conseqüência, alcanço outras pessoas, sempre procurando um contraponto, dado luz aos bastidores dos sentimentos numa tentativa pueril de deixar uma mensagem positiva para quem me lê.