A mega-arrumação no meu quarto, que, depois de horas debruçada sobre as mil coisas que a gente só descobre que tem quando olhamos pra elas, me deixou exausta. Mas me serviu para fazer a seguinte reflexão: se a limpeza no quarto já me deixou em frangalhos, imagina, então, por as coisas em ordem na alma, coração e mente?

Você percebe que precisa arrumar tudo quando as coisas no seu quarto começam a sair do lugar. Não é nada de um dia para outro. Um papel jogado aqui, uma saia dependurada ali… E quando você percebe, as coisas já não estão como queria. Assim é com o nosso interior. Vamos deixando as coisas acontecerem, sem darmos contas delas. E quando paramos para refletir, nos assustamos no quanto deixamos de ser donos da nossa vida e passamos a ser meros espectadores.

Neste momento, temos a mesma reação – para o quarto e para a alma. Sabemos que precisamos dar um jeito, mas vamos deixando pra depois, porque “ah, esta semana estou super apertada” e porque “nossa, não estou tendo tempo nem de pensar”. Mas podemos perder duas horas tranquilamente só rolando o mouse ou deslizando o dedo pela time line do Facebook. Afinal, o esforço mental chega a níveis baixíssimos nesses momentos.

Até tentamos dar uma ajeitadinha – no quarto e na alma. É só acomodar todas as bagunças no guarda-roupa, ajuntar todos os papéis no gaveteiro, empurrar todas as roupas para atrás da porta (de forma que ninguém veja, é claro), e limpar o quarto. “Pronto! Parecem novos”, dizemos para nós mesmos ao tentarmos esquecer aquele problema ou passar por cima daquela situação mal resolvida. E, sem muito esforço, mascaramos tudo muito bem.

Mas como diria aquele velho dito popular, a máscara um dia cai – tanto do quarto quanto da alma. Simplesmente, não dá mais pra viver nessa situação incômoda de fingimentos para nós mesmos. E aí é que me lembro de um pergunta feita por uma amiga tempos atrás: “Você tem medo de se conhecer?”. Na época, não entendi muito bem, até mesmo porque não imaginaria que alguém pudesse ter medo de algo tão simples. Mas, meu amigo, hoje, a questão bate muito mais complexa.

É que ter coragem de olhar para o quarto e para dentro de si mesmo exige muito! Abrir todas as gavetas do armário, tirar tudo lá de dentro e separar o que o velho do novo, o útil do inútil, o que serve apenas para guardar lembranças ruins ou recordações saudáveis sobre determinada época não é algo de boas de fazer, assim como não é ao aprofundar em questões conflituosas fortemente enraizadas e cercadas de medos e preconceitos.

Ainda mais que, por bem e por mal, não estejamos sozinhos. Sempre haverá alguém para dizer “não jogue isso fora” ou “você está com umas ideias diferentes, hein?!”. São mil vozes falando e, nessa confusão, você não consegue ouvir nenhuma, muito menos a sua, que, depois de tanta gente falando alto, é sufocada e fica escondida lá no fundo do armário ou da alma.

Mas ela está lá. Saber chegar até ela exige sabedoria, exaustão e sacrifício. Mas encontrá-la, ouvi-la e trazê-la à tona vale mais do que ouro em pó. Conhecer-se, saber o que se quer verdadeiramente e buscar o que se deseja, de forma consciente, faz com que sejamos verbo da nossa própria vida, e, assim, construamos a nossa história cientes de que estamos sendo o protagonista, e não o figurante. Afinal, depois que o nosso quarto está arrumado, sabemos exatamente onde tudo está guardado, e a sensação de dever cumprido é uma das melhores possíveis.

E a manutenção, no quarto e na alma, nunca pode faltar.

“Quem pensa por si mesmo é livre, e ser livre é coisa muito séria”. Renato Russo.