Viver é correr riscos. Amar é se proteger dos estilhaços. Viver é sentir dor, desamparo, solidão, insegurança _ Desejo também.

Desejo e amor nem sempre caminham juntos. O amor nos protege do desejo.

O desejo aguça os sentidos, afasta a lucidez, desarma as defesas.

O amor consola, dá colo, protege.

O início é sempre desejo. Mas o tempo diminui o compasso, tranquiliza as batidas, protege da dor. O amor chega para acalmar a pele que transpira, o coração que acelera, a mente que inventa. De repente nos sentimos seguros de novo, em paz, em casa.

Quando amamos tudo é familiar. Reconhecemos o cheiro, a mania de encolher os ombros quando não entende alguma coisa, o gosto, o toque. Conhecemos os detalhes encobertos, as histórias que ainda comovem, a intimidade habitual.

Compartilhamos memórias, sonhos, construções. Aprendemos o momento de falar, o de calar. Conhecemos o território proibido_ aquele onde só devemos pisar com pantufas de algodão_ , ficamos experts em matéria de afinidades.

O amor traz segurança.

A segurança trai o desejo.

O desejo é companheiro da dúvida, do não saber, do querer o que não se tem.

O desejo é inseguro, vasculha emails em busca de provas, fica na extensão, abre agendas, bolsas e celulares em busca de pistas. O desejo desconfia, arde em ciúmes, briga com o bom senso, rompe com a razão.

O casamento nos protege do desejo, traz de volta a lucidez, reconhece o que é eterno. Mas viver um casamento sem desejo é como crème brûlée que esqueceu de ser flambado: doce e desbotado, calmante e pouco excitante, nutritivo e pouco atraente, leve e nada tentador.

Não acontece de fato, desfalece sem fazer barulho, acomoda-se com consentimento silencioso, renuncia a si mesmo, renega sua origem, denuncia a ausência, resigna-se com o remediado, morre sem esperança.

O segredo está no mistério. Não precisa causar dúvidas, estranhamentos, conspirações… Uma pontinha de enigma basta. Deixa uma fagulha de desconhecimento que atormenta, aguça os sentidos. Como fogo que consome o pavio na última esperança de voltar a ser fogueira, a dúvida tem que permanecer, a intimidade tem que revelar sem escancarar, o olhar tem que permitir indagações.

Casamento não pode ser sinônimo de ócio, preguiça, conformidade. O amor se acomoda no que é seguro, mas a vida é dinâmica, incessante, fugaz. O amor acomodado sobrevive na rotina e o desejo corre riscos. Corre o risco de se sentir vivo fora dali, de ser mais tragédia e menos drama, de ser mais discussão e menos entendimento, de ser mais carne e menos pijama de flanela.

Um casamento precisa mais do que o amor companheiro que acalma, compreende, dá colo, carinho e proteção. É preciso conhecer e desconhecer, reconhecer e assustar-se com a novidade que chega sem avisar, compreender e indignar-se com o que não percebeu.

Renovar os votos é tentar ser menos conhecido, é se fazer diferente para atiçar a dúvida, é discutir para provocar mais amor, é descobrir-se você mesmo quando os dois já se tornaram um, é ir embora para depois voltar, é gritar para tentar recomeçar, é ser menos compassivo e mais passional, é criar momentos de intimidade consigo mesmo longe do outro, apaixonar-se por um hobby, afastar-se para a falta ser sentida.

Renovar os votos é entender que nada é definitivo e ninguém é totalmente decifrável.

Mesmo o casal de velhinhos que encontrou a transformação do amor em ternura, sabe que o amor é parceiro da felicidade, mas o desejo é o fogo do maçarico que flamba a vida.








Nasceu no sul de Minas, onde cresceu e aprendeu a se conhecer através da escrita. Formada em Odontologia, atualmente vive em Campinas com o marido e o filho. Dentista, mãe e também blogueira, divide seu tempo entre trabalhar num Centro de Saúde, andar de skate com Bernardo, tomar vinho com Luiz, bater papo com sua mãe e, entre um café e outro, escrever no blog. Em 2015 publicou seu primeiro livro: "A Soma de todos os Afetos" e se prepara para novos desafios. O que vem por aí? Descubra favoritando o blog e seguindo nas outras redes sociais.