A vida enrosca nos fatos comuns, nos comportamentos aprendidos, nos hábitos, nos costumes, no caminho de todo dia, nas escolhas que fizemos no passado e continuamos mantendo no presente, na rotina que escolhemos e que nos mantém na chamada zona de conforto.

Todo mundo segue a trilha batida, a trilha do menor esforço.

Mas se você quiser avançar, eu tenho uma fórmula simples e honesta para lhe propor: “quer avançar, recue.”
Para encontrar o seu rumo, saia do fluxo, recue dois passos, e troque o papel de ativista pelo papel de observador. Não precisa ser por muito tempo, apenas o suficiente para despertar o adormecido senso crítico e avaliar o padrão das ações repetitivas, dentro dos diversos processos que te mantém vinculados aos fenômenos sociais.

Boa parte desses processos funcionam de forma automática, estamos há tanto tempo treinando os mesmos comportamentos que nos falta distanciamento para avaliarmos se o personagem ao qual emprestamos vida tem coerência e representa as nossas convicções mais profundas.

Se você não tem certeza, recue dois passos e observe o fluxo. Apenas observe, não interfira nele. Fique quieto no seu canto.
Ganhe a visão de fora. Imagine-se numa arena, assistindo tudo da arquibancada. Veja a maneira como as pessoas continuam interagindo, da mesma forma como você interagia. Não julgue nada, apenas acompanhe. Assista de forma silenciosa o espetáculo da vida proporcionado pela família, pelos colegas de trabalho, pelos amigos, pelos fatos sociais. Acompanhe o mundo com os olhos de forma direta, seja através dos acontecimentos que te cercam, seja através da mídia, e das redes sociais.

Esta é uma época excelente para se fazer uma análise do comportamento humano. As redes sociais possibilitam colher dados com uma veracidade impressionante. O universo pessoal nunca esteve tão exposto como está agora. As pessoas comuns ganharam força e coragem para se revelar, para expor o que pensam, o que são, e o que fazem. Não significa necessariamente algo mau, é apenas um fenômeno social que dá vazão aos instintos, e oferece expressão aos pensamentos e interpretações, de maneira democrática.

Só se torna mau à medida em que nos engajamos no comportamento de manada sem exercitar a capacidade de avaliação. Nesse caso operamos em meia fase: metade somos nós, metade somos os outros ao nosso redor. Aplaudimos a babaquice, curtimos a mediocridade, perpetuamos o exibicionismo, e por osmose, nos tornamos babacas, medíocres, e exibicionistas. É só uma questão de tempo.

E é por isso que, se você quiser avançar e se tornar apenas você, deve recuar.

Recue por um ano, um mês, uma semana, um dia que seja.
Recue para analisar se aquilo que você está fazendo, dizendo, concordando, incentivando, aplaudindo, participando, anunciando, compartilhando, está de acordo com a sua íntima interpretação dos fatos.

Muitas vezes nossos pais nos dizem algo que não concordamos, mas lá na frente seremos obrigados a reconhecer que eles estavam certos.

Por que os pais quase sempre têm razão? Porque eles se distanciaram do momento em que estamos vivendo, e na posição de expectadores são capazes de formular melhor juízo de valor.

A vida já os levou, inexoravelmente, ao avanço que a sabedoria dos anos proporciona aos que envelhecem.

Mas não é preciso envelhecer para avançar. É possível avançar no auge da juventude apenas recuando dois passos e exercitando a postura do observador que sai do fluxo para descobrir se os seus valores intrínsecos estão de acordo com a sua posição na sociedade.

Quase todos conhecemos pessoas bem sucedidas que abandonaram uma carreira brilhante para realizar algo novo.

Em que momento essas pessoas ganharam força para efetuar essa transformação? Com certeza foi no momento em que recuaram. Nesse mundo globalizado, ninguém avança sem recuar, sem proceder a uma análise pessoal de fatos.

Esse processo só ocorre com distanciamento, recolhimento, introspecção, e senso crítico, coisas que não acontecem quando estamos desfilando com a massa pelas avenidas da vida.

Algumas pessoas esperam adoecer para recuar.
Outras esperam um acontecimento ruim para se afastar.
Mas não é preciso esperar que o Universo tenha que tomar medidas tão drásticas para nos colocar no centro.

Basta dar dois passos e recuar, de tempos em tempos.

Pode ser que você não sinta nada. Pode ser que, ao se tornar o observador, você se sinta perfeitamente de acordo com o bloco que desfila na rua.

Nesse caso, volte para o fluxo.

Mas se sentir um mal estar, uma discordância, um senso de ridículo anunciando que a sua identificação com o grupo está seriamente ameaçada, não tenha piedade e não tente preservar o antigo “modus vivendi.”

A Bíblia diz que nenhum homem é responsável pelo tempo da ignorância, mas também diz que ele será penalizado após o tempo do entendimento.

Ouça o seu mestre interior. Se ele repudiar, sinta o repúdio com toda intensidade, e faça dele a mola propulsora para a tão desejada mudança.

Os néscios mudam levando pancada.
Os sábios mudam recuando dois passos, observando o mundo, analisando, interpretando, ouvindo a voz do coração.








Escritora compulsiva, descobri a minha vocação escrevendo cartas. Imaginei-me poeta e enviei para Adélia Prado alguns dos meus melhores poemas, pelo correio, juntamente com uma carta. Ela teve a gentileza de me retornar dizendo: “você escreve cartas admiráveis.” Entendi. Esqueci a poesia e passei a escrever cartas. Cada texto que escrevo é uma carta e o leitor é o destinatário dessa carta. Tem dado certo. Escrevo e assino. Com carinho, com afeto, e com as minhas experiências de vida.