Outro dia tentava descobrir algo que sempre intrigou-me muito: porque nunca conseguia descascar uma laranja sem “machucá-la” ou porque não tinha muita intimidade com pedaços picados de frutas vindos prontos para mim, preferindo sempre a fruta inteira ou, no caso das frutas maiores, fatias inteiras para eu decidir o que fazer com elas. Foi aí que veio-me um “insigth”… Era uma questão da minha essência, da minha alma: sou inteira. Não gosto de metades nem pedaços de nada. Gosto das coisas inteiras. Gosto de pessoas inteiras. Gosto de amor inteiro. Gosto de sorrisos inteiros. Gosto de olhares inteiros. Gosto de palavras inteiras. Gosto de abraços inteiros. Gosto de conversas inteiras. Gosto de escolhas inteiras. Gosto de atitudes inteiras. Gosto da vida por inteiro. Não gosto nem confio em nada pela metade, nada em pedaços.

A vida não aceita metades, mais ou menos e nem meio qualquer coisa. Não dá para meio acordar, meio andar, meio olhar, meio amar, meio viver. Ou se é e faz por inteiro ou não se é e não se faz. Não dá para estar meio aqui e meio em qualquer outro lugar. Ou se está aqui ou não se está aqui. Ou é ou não é. Ou vive-se ou não vive-se – ou apenas sobrevive-se. A vida não aceita “deixar para lá”. Não há como dividir em pedaços a vida. A vida não tem carnês, não tem cheques pré-datados, não tem vouchers e nem cartões de crédito. A vida é à vista e “in cash” ou nada feito. Sem negociações, sem exceções. A vida é inteira.

Para ser inteiro é preciso coragem, é preciso estar preparado para mergulhar-se em si mesmo, engolir-se por inteiro, devorar as próprias entranhas, trilhar as matas escuras do que nos constitui, ir pelas profundezas de si mesmo para buscar-se, para melhor entender-se, para fazer um confronto consigo mesmo e descobrir o que falta, o que está em excesso e nem dá mais para reciclar, o que precisa ser jogado fora e promover as devidas mudanças. Para ser inteiro é preciso encontrar-se consigo mesmo, antes de encontrar um amor, um trabalho, a alegria de um talento – muitas vezes, escondido ou sequer percebido – antes de encontrar a vida.

A vida com tudo o que ela nos traz recomenda que ninguém fique a esperar que qualquer coisa, qualquer pessoa ou questão do mundo externo vá suprir e preencher “a parte que nos falta”. A parte que nos falta – seja o que for e cada um pode descobri-la a seu tempo e ritmo se realmente se dispuser a ser bem honesto consigo – cada um tem de buscá-la, encontrá-la e fazê-la fazer parte de si. Esse é o verdadeiro pertencimento de si mesmo. E somente quem pertence-se a si mesmo, pode encontrar no mundo externo, outros inteiros pertencentes a si mesmo, seja um amor, seja um projeto de vida, seja um trabalho, sejam os amigos, seja a família e todas as questões tão próprias da condição humana.

Ninguém está neste mundo para satisfazer as expectativas de ninguém. Ninguém completa ninguém. Somos acrescidos de inúmeros benefícios e aprendizados na convivência com o outro e nas experiências da vida, mas nada nem ninguém tem essa “obrigação” de completar outra pessoa. Ninguém pode viver a vida de e por ninguém. Ninguém neste mundo é metade de ninguém e de nada, exatamente por isso, por uma questão lógica, nada pode nos completar. Se uma pessoa não for inteira em si e por si mesma, vai viver necessitando de muletas e não raramente, também viver frustrando-se – e por sua única responsabilidade. Por isso se faz tão necessário que cada pessoa possa buscar-se, atravessar e desbravar seus recônditos mais íntimos para descobrir-se e estar inteira por si mesma. Ninguém pode ser metade de nada nem de ninguém, pois uma metade, ainda que próxima a outra metade, será sempre metade.

Ser inteiro é como conseguir olhar para um espelho sem vê-lo, sem ver imagens refletidas nele, pois ainda que ele possa traduzir o mais próximo do real, será sempre um reflexo e não a essência, não o inteiro. Para ser inteiro é preciso primeiro estar isento de si, isento do que sempre se vê, – ou do que se deseja ver – isento do mundo. Somente depois que uma pessoa isentar-se de si é que ela poderá promover suas buscas, suas travessias, suas descobertas, seu pertencimento a si mesma e voltar inteira, sentindo a imensidão de si mesma – nunca completa, pois completude é outra utopia e a busca não tem pausa, assim como a vida não a possui – e ser inteira em si e para si. Inteira parte do todo, pois cada pessoa é uma parte de muitas coisas, mas que cada uma seja uma parte inteira.