Trecho ( quase na íntegra) do texto escrito por Melvin McLeod na revista Shambhala Sun de novembro de 2013 e publicada em 30 de outubro de 2014 no blog Lion’s Roar. Melvin McLeod é editor chefe das revistas budistas Shambhala Sun e Buddhadharma Magazine. O título original e o  texto seguem abaixo.

Você é espiritualista mas não religioso?
10 razões pelas quais o budismo enriquecerá seu caminho.

Por Melvin MCLEOD

Existem várias razões pelas quais as pessoas se tornam desencantadas com a religião institucionalizada, mas a maioria continua a ansiar por algo mais do que uma vida materialista, de algo que dê significado mais profundo e felicidade, algo que eles descrevem como “espiritual”.

Talvez isso diga respeito a você. Talvez você seja uma das muitas pessoas que descobriu que o budismo tem muito a oferecer à sua vida e prática espiritual, sem algumas das desvantagens da religião institucionalizada.

Dito de outra maneira:

Algumas pessoas discutem se o budismo é de fato uma religião, mas por agora vamos supor que seja. O budismo é única religião do mundo que não tem um Deus. É uma religião não-teísta.

Isso muda tudo. Sim, tal como as outras religiões o budismo descreve uma realidade não-material, espiritual (talvez uma realidade mais profunda) e aborda o que acontece depois que morremos. Mas, ao mesmo tempo, é pés no chão e prática: diz sobre nós, nossas mentes, e nosso sofrimento. É sobre ser totalmente e profundamente humano, e tem algo a oferecer a todos: aos budistas, é claro; também às pessoas espiritualizadas mas não religiosas, aos de outras religiões, e até mesmo àqueles que não se acham espirituais. Quem não sabe o valor de estar presente e consciente?

Em primeiro lugar, algumas precauções. Como outras religiões, o budismo é praticado em diferentes níveis de sutileza, e às vezes pode ser tão teísta como qualquer outra religião. O budismo é praticado por pessoas, por isso não é bom nem ruim. Chegamos ao budismo como somos, por isso definitivamente o ego estará envolvido. Isso não é problema – é a base do trabalho do caminho. A chave é para onde vamos a partir daí.

Além disso, muito do que eu estou dizendo sobre o budismo também se aplica às tradições contemplativas de outras religiões. Na verdade, contemplativos de diferentes religiões muitas vezes têm mais em comum uns com os outros do que com praticantes de sua própria religião. Tudo se resume a quanto nós personificarmos ou solidificarmos o absoluto – se ele é um ser supremo que nos julga ou uma extensão aberta de amor e consciência.

A diferença é que a meditação é a própria essência do Budismo, e não apenas a prática de uma elite de místicos. É justo dizer que o budismo é a mais contemplativa das principais religiões do mundo, que é um reflexo do seu não-teísmo básico.

O Budismo é sobre a realização e experiência, não sobre instituições ou autoridade divina. Isto o torna especialmente adequado para aqueles que se consideram espirituais, mas não religiosos. Aqui estão dez razões:

1. Não há um Deus budista.

Diferentes escolas do budismo têm opiniões diferentes sobre quem era o Buda. Alguns dizem que ele era um ser humano comum que descobriu o caminho para o despertar; outros dizem que ele já estava esclarecido, mas seguiu o caminho para nos mostrar como ele é feito. Mas uma coisa é certa: ele não era um deus, deidade, ou um ser divino. Suas faculdades eram puramente humanas, qualquer um de nós pode seguir o seu caminho, e nossa iluminação será exatamente a mesma que a dele. Em última análise, não somos diferentes dele, e vice-versa.

É certo que há muitas imagens budistas que se parecem com os deuses e divindades, todos os tipos de seres coloridos e exóticos. O cosmos budista é muito vasto, contém seres infinitos de diferentes mentes, corpos, faculdades e reinos. Alguns são mais sutis e despertos, e outros são mais grosseiros e mais confusos. No entanto, estas são apenas as infinitas variações sobre a realidade que vivemos agora. Pode ser infinitamente vasta e profunda, pode ser misteriosa além dos conceitos, pode ser muito diferente do que nós pensamos que é, mas seja lá o que é a realidade, é o que é. Não há nada nem ninguém fundamentalmente diferente ou fora dela.

2. Trata de sua bondade fundamental.

O Budismo não é sobre a salvação ou o pecado original. Não se trata de se tornar alguém diferente ou ir para outro lugar. Porque você e seu mundo são basicamente bons. Com todos os seus altos e baixos, este nosso mundo funciona. Ele nos aquece; ele nos alimenta; ele nos oferece cor, som e toque. Nós não temos que lutar contra o nosso mundo. Não é nem para nós, nem contra nós. É um mundo simples, vívido da experiência direta que possamos investigar, cuidar, desfrutar, nos relacionar com amor.

Nós somos basicamente bons assim, confusos como somos. No budismo, a nossa verdadeira natureza tem muitos nomes, tais como búdica, mente original, sugatagarbha, Vajradhara, ou Buda, simplesmente – despertar fundamental. A coisa é, não solidificarmos, nos identificarmos, ou conceituá-la. Então é apenas o mesmo velho jogo que estamos presos agora. Nós não possuímos esta bondade fundamental. Não está dentro de nós, não está fora de nós, está além do alcance da mente convencional. É vazia de toda forma, ainda que tudo o que experimentamos seja sua manifestação. Não é nada, e é a fonte de tudo. Tudo o que você pode fazer é olhar diretamente, relaxar e deixar ir.

3. O problema é o sofrimento. A resposta é despertar.

Budismo existe para resolver um problema: o sofrimento. O Buda chamou a verdade do sofrimento de “nobre”, porque reconhece que o nosso sofrimento é o ponto de partida e inspiração para o caminho espiritual.

Sua segunda nobre verdade foi a causa do sofrimento. No Ocidente, os budistas chamam isso de “ego”. É uma pequena palavra que abrange praticamente tudo o que há de errado com o mundo. Porque de acordo com o Buda, todo os sofrimentos, grandes e pequenos, começam com a nossa falsa crença em um sólido, separado e contínuo “eu”, que para sua sobrevivência dedicamos nossas vidas.

Parece que estamos irremediavelmente presos nesse pesadelo de “eu e eles” que nós criamos, mas podemos despertar disso. Esta é a terceira nobre verdade, a cessação do sofrimento. Fazemos isso através do reconhecimento de nossa ignorância, a falsidade de nossa crença neste “eu”. Finalmente, o Buda nos disse que há uma caminho concreto e que podemos chegar lá, que consiste basicamente de disciplina, esforço, meditação e sabedoria. Esta é a quarta nobre verdade, a verdade do caminho.

4. A maneira de fazer isso é através do trabalho com sua mente.

Assim, de acordo com o Buda, o problema é o sofrimento, a causa é a ignorância, o remédio é despertar e o caminho é viver conscientemente, meditar, e cultivar a nossa sabedoria. Há realmente um só lugar onde tudo acontece: em nossas mentes. A mente é a fonte tanto do nosso sofrimento quanto da nossa alegria. Meditação – domar a mente – é o que nos leva de um para o outro. A meditação é remédio básico do budismo para a condição humana.

O caminho budista da meditação começa com as práticas para acalmar a nossa mente selvagem. Uma vez que a mente está focada o suficiente para olhar de forma não distraída para a  realidade, nós desenvolvemos uma visão sobre a natureza da nossa experiência, que é marcada pela impermanência, sofrimento, não ego e vacuidade. Nós, naturalmente, desenvolvemos a compaixão por nós mesmos e todos os seres que sofrem, e nossa percepção nos permite ajudá-los com habilidade. Finalmente, experimentamos a nós mesmos e ao nosso mundo como eles sempre foram desde o tempo sem principio, como são agora, e sempre serão – nada mais do que a própria iluminação, grande perfeição em todos os sentidos.

5. Ninguém pode fazer isso por você. Mas você pode fazê-lo.

No budismo, não há salvador. Não há ninguém que vai fazer isso por nós, não há lugar onde poderemos nos esconder por segurança. Temos que encarar a realidade de frente, e temos de fazer isso sozinhos. Mesmo quando os budistas se refugiam no Buda, onde eles realmente estão se refugiando é na verdade de que não há nenhum refúgio. Não buscar proteção é a única proteção real.

Então essa é a má notícia – nós temos que fazer isso sozinho. A boa notícia é que nós podemos fazer isso. Como seres humanos, nós temos os recursos de que precisamos: inteligência, força, corações amorosos, e comprovados métodos eficazes. Por causa disso, podemos despertar a nossa confiança e renunciar à nossa depressão e ressentimento.

Ninguém pode fazer isso por nós, mas ajuda e orientação estão disponíveis. Há professores – homens e mulheres que estão a mais tempo no caminho – que nos oferecem instrução e inspiração. Eles nos mostram que é possível. Os nossos companheiros praticantes apoiam o nosso caminho, embora nunca nos permitam usá-los como muletas. Os ensinamentos budistas oferecem-nos sabedoria que remonta até o próprio Buda, há 2600. Podemos ir direto à fonte, porque a linhagem que começou com Gautama Buda segue até hoje.

6. Há uma realidade imaterial espiritual.

Algumas pessoas descrevem o budismo como racional, “religião científica”, ajudando-nos a levar uma vida melhor e mais atenciosos sem contradizer nossa visão do mundo moderno. É certamente verdade que muitas práticas budistas trabalham muito bem no mundo moderno, não requerem quaisquer crenças exóticas e trazem benefícios significativos para a vida das pessoas. Mas isso é apenas parte da história.

O budismo definitivamente afirma que há uma realidade que não é material. Outras religiões dizem o mesmo; a diferença é que no Budismo esta realidade espiritual não é Deus. É a mente.

Isto é algo que você pode investigar por si mesmo:

Minha mente é feita de matéria ou é outra coisa?

Será que minha mente tem características, como pensamentos, sentimentos e identidade, ou é o espaço em que surgem estas coisas?

Será que minha mente constantemente está mudando ou é contínua? É uma coisa ou muitas?

Onde está o limite da minha mente? É grande ou pequena? Está dentro de mim olhando para o mundo material fora? Ou são as minhas percepções e minha experiência de ambos são a mente?

7. Não aceitar as coisas com fé cega.

No budismo nada temos de aceitar com base na autoridade de uma pessoa espiritual para alcançarmos a sabedoria. O Dalai Lama disse que o budismo deve desistir de qualquer crença que a ciência moderna possa desmentir. O próprio Buda disse a famosa frase: “Seja uma luz para si mesmos”, e disse a seus alunos que eles devem testar tudo o que ele disse com sua própria experiência. Mas é fácil interpretar mal este conselho. Nossos egos modernos estão ansiosos para tirar proveito dela. Enquanto não devemos aceitar o que os outros dizem de cara, não significa que devemos simplesmente aceitar o que dizemos a nós mesmos. Temos que testar os ensinamentos do budismo em relação a nossa experiência direta de vida, e não em relação às nossas opiniões.

E enquanto a ciência moderna pode provar ou refutar velhas crenças sobre astronomia ou fisiologia humana, não podemos medir ou testar o imaterial. O budismo valoriza a mente racional e procura não desmenti-la em sua própria esfera. Mas isso não conta toda a história.

Finalmente, é rara a pessoa que pode navegar o caminho espiritual sozinho. Apesar de manter a nossa auto-estima e julgamento, devemos estar dispostos a aceitar a orientação, mesmo uma liderança daqueles que estão há mais tempo no caminho. Em uma sociedade que exalta o indivíduo e questiona a hierarquia da relação professor-aluno, é um desafio encontrar um meio-termo entre o excesso de auto-suficiência e a não suficiência.

8. O budismo oferece uma riqueza de meios hábeis para diferentes necessidades das pessoas.

O budismo não é uma religião de um caminho único que serve pra tudo. É altamente pragmático, porque é sobre o que ajuda a reduzir o sofrimento.

Seres são infinitos. Portanto, são seus problemas seus estados de espírito. O budismo oferece uma riqueza de meios hábeis para atender às suas diferentes necessidades. Se as pessoas não estão prontas para a verdade final, uma verdade parcial vai ajudar, isso não é problema – desde que isso realmente ajude. O problema é sentir que as coisas realmente estão funcionando – ir junto com nossos truques habituais – por vezes podem piorar as coisas. Assim, os ensinamentos budistas são gentis, mas também podem ser difíceis. Precisamos enfrentar os caminhos que causam a nós e aos outros o sofrimento.

Meditadores budistas têm estudado a mente há milhares de anos. Nesse tempo, eles já testaram e comprovaram muitas técnicas para domar a mente, diminuir nosso sofrimento, e descobrir quem somos e o que é real (ou não). Há meditações para acalmar e concentrar a mente, contemplações para abrir o coração, e maneiras de trazer facilidade e graça para o corpo. É justo dizer, como muitas pessoas têm feito, que o budismo é a ciência mais desenvolvida do mundo da mente.

Hoje, as pessoas que querem explorar o budismo tem muitos recursos à sua disposição. Pela primeira vez na história, todas as escolas e tradições do budismo estão reunidos em um só lugar. Há ótimos livros , excelentes professores, centros de prática, comunidades e revistas.

Estes estão todos disponíveis para você explorar de acordo com suas próprias necessidades e caminho. Você pode praticar a meditação em casa ou ir a um centro local e praticar com os outros. Você pode ler um livro, assistir as aulas, ou ouvir uma palestra de um professor budista. O que funcionar para você – nenhuma pressão.

9. É aberto, progressivo e não institucional.

Enquanto o budismo em suas terras natais asiáticas pode ser conservador, budistas no Ocidente são geralmente liberais, social e politicamente. Isso é um acidente da história ou um reflexo natural dos ensinamentos budistas, comunidades budistas abraçam a diversidade e trabalham contra o sexismo e o racismo.

As identidades de todos os tipos, incluindo sexo, nacionalidade, etnia,  e até mesmo a religião, não são vistos como fixos e em última análise, verdadeiros. No entanto, eles não são negados; as diferenças são reconhecidas. Claro, os budistas são pessoas e ainda parte de uma sociedade, por isso há um trabalho em andamento. Mas eles estão tentando.

O budismo tem sido descrito como uma religião não institucionalizada. Não há nenhum papa budista. (Não, o Dalai Lama não é o chefe do mundo budismo. Ele nem é a cabeça de todo o budismo tibetano, apenas de uma escola). Não há nenhuma igreja global, apenas um conjunto disperso de diferentes escolas e comunidades. Como você pode descobrir rapidamente se você for para o seu centro budista local, as coisas podem correr bem (ou não), mas é provável que a atmosfera seja aberta e descontraída. Provavelmente não se sentirão institucionalizados.

10. E ele funciona.

Nós não podemos ver ou medir a experiência subjetiva, por isso não podemos julgar diretamente o efeito que o budismo está a tendo na mente e no coração de outra pessoa. Mas nós podemos ver como eles agem e tratam as outras pessoas. Nós podemos ouvir o que eles dizem sobre o que eles estão enfrentando internamente.

O que descobrimos é que o budismo funciona. Durante milênios, o budismo tem feito as pessoas mais conscientes, carinhosas e hábeis. Tudo que você tem a fazer é encontrar alguém que já esteja praticando meditação há muito tempo para saber disso. No nosso tempo, centenas de milhares de americanos estão relatando que mesmo uma prática budista modesta fez sua vida melhor – eles estão muito mais calmos, mais felizes, e não se deixam levar tão facilmente quando surgem emoções fortes. Eles estão mais gentis consigo mesmos e com os outros.

Mas é realmente importante não sobrecarregar-nos com expectativas irreais. A mudança vem muito lentamente. Você também vai ver que quando você encontra um praticante budista, mesmo aquele de longo tempo. Não espere perfeição. Estamos trabalhando com padrões de ignorância, ganância e raiva que se desenvolveram ao longo da vida – ou muito mais tempo. A mudança vem lentamente para a maioria de nós. Mas elas vêm. Se você permanecer (na prática) está garantido. O budismo funciona.

Esta não é uma tentativa de converter ninguém ao budismo. Não há necessidade para isso. Mas aqueles que pensam em si mesmos como espirituais, mas não religiosos podem encontrar algo no budismo para ajudá-los em seu caminho pessoal.

Quando eu encontrei pela primeira vez o budismo, o que me impressionou foi a sua integridade absoluta. Eu vi que ele não estava tentando me manipular, dizendo-me o que eu queria ouvir. Ele sempre diz a verdade. Às vezes, essa verdade é suave, suavizando os nossos corações e trazendo lágrimas aos nossos olhos. Às vezes é difícil, forçando-nos a enfrentar nossos problemas e cortando nossas ilusões confortáveis. Mas sempre é mais hábil. Sempre que nos oferece o que precisamos. Somos livres para seguir o que nós desejamos.

Veja o post original no site Lion’s Roar.