Somos seres ruminantes.

Pensamos, (re)pensamos e voltamos a pensar. Ruminar, esse vício de mastigar por infinitas vezes algo que já deveria ter sido digerido. Que difícil controlar os pensamentos. Mais difícil ainda é superar os (não)acontecimentos passados.

Por muito tempo me observei olhando para o infinito, para o nada, aquele trampolim mágico que me transportava diretamente para situações e ocorrências de cinco, dez, quinze anos atrás. Algumas situações felizes, outras tristes. Bastava uma música, um gesto, uma situação mínima para me projetar. O mais incrível é que quando eu menos esperava estava lá: de volta no tempo, como sequer um segundo tivesse passado desde então. Quando voltava da experiência me dava conta que havia perdido minutos, horas do meu dia pensando em coisas que já não faziam o menor sentido na configuração da minha vida.

Uma ou duas vezes não me faziam mal. Confesso até que era gostoso ficar com esse sentimento de nostalgia. O problema era quando este flashback se repetia em sucessivos dias e gerava um tsunami de emoções descontroladas, que me impediam de viver o presente. E foi exatamente neste ponto em que percebi que a situação clamava por reflexão.

Me olhei no espelho, olhei ao meu redor. Falei para mim mesmo “já basta!”. Percebi então a juventude na minha face, olhei meus títulos conquistados com esforço, o mural de fotos na parede cravado por sorrisos felizes, pensei nas viagens inesquecíveis, no compassivo olhar de amor dos meus pais, nos amigos por quem valia a pena viver. Lembrei até de alguns ex-amores e de pessoas que passaram pela minha vida feito um meteoro, mas que deixaram uma cauda de luz.

Não me detive. Por conseguinte, fui além: me dei conta que eu era exatamente a pessoa que queria ser. Ninguém mais, ninguém menos. E que, apesar da idade, havia conquistado tantas coisas legais, que os erros de percurso foram realmente partes ínfimas, insignificantes no contexto total.

A minha dor não tinha sido pequena. Não é isso. Eu simplesmente apliquei a metáfora do copo: eu devo contemplar o que eu tenho ou o que eu não tenho? O que clama mais pela minha atenção? O perdido jamais vai voltar. O tido ainda pode se perder se eu gastar o meu tempo pensando em casos encerrados.

Não importa se a sua vida tem sido um roteiro trágico escrito pela Shonda Rhimes. Valorize o que você tem. Conecte-se com sua essência. Certa vez alguém perguntou ao pintor Salvador Dalí o que ele gostaria de ser. Dalí, então, respondeu: “Quando eu tinha quatro anos eu queria ser cozinheiro, aos seis, Napoleão e desde então a minha ambição tem aumentado; Agora quero apenas ser Dalí, e estou conseguindo”.

Hoje eu quero apenas ser eu.

Ninguém mais.