Tem sempre um pedaço da estrada que ainda não tá bom, uma ponte que não está pronta, e o trânsito maluco para tolerar. As malas vão apertadas no porta-malas, dividindo espaço com a expectativa. Muita expectativa. Pranchas se engarrafam pela estrada antes mesmo de se engarrafarem no outside. A gasolina está um absurdo, a pousada está cara, e a crise um dia ainda vai comprometer o churrasquinho. Se você não é o sortudo dono de uma vida na praia, todo feriado é uma tortura até o paraíso. Afinal, praia tem que merecer.

Mas quem acredita sempre alcança. E depois de um feriado de quatro dias, é impossível não encher os pulmões e a mente de inspiração e oxigenar aquela vidinha intoxicada de monóxido de carbono e conta pra pagar. Não há tensão que a massagem da areia não desfaça. Não há coração que não se aqueça com os beijos do sol. Não há mente que não se acalme com água do mar. Lá o mundo funciona em outra vibração. Desacelerado. Desapegado. Exigir o que frente à imensidão do mar?

O caminho para a praia normalmente é a pé e a trilha tem perfume de maracujá/terra molhada/mata nativa – e quando foi a ultima vez que você parou para sentir o cheiro das coisas? Na praia você repara as borboletas do caminho. Divide o crepe com o cachorro de rua. Falando em comida, a gastronomia da praia tem um cronograma muito particular. Café da manhã vira almoço, almoço vira janta, janta vira lanche da madrugada e nem invente de querer alterar a ordem. Beliscadas, água gelada e chimarrão na beira da praia são obrigatoriamente coletivos. Juntar o lixo também é um processo coletivo. O seu lixo e do babaca que não o fez, afinal você faria o mesmo dentro da própria casa – e praia é ainda melhor que casa.

Na praia não precisa ter 3G, 4G, 5G. Claro que a gente se fala muito mais ao Vivo. Na versão em inglês a gente fica mais “Next” pra “Tell”. E quem precisa de Tim quando se tem “Oi, muito prazer, tim-tim!”? Bom mesmo é desconectar dos aparelhos e conectar-se com as pessoas. Seja com aquele surfista loiro que tem um projeto de mudar o mundo e causa suspiros em qualquer garota. Seja com aquele amigo que tem uma cantada ensaiada em parceria onde todo mundo se dá bem. A comunicação na praia é cheia de teorias infundadas e planos infalíveis de felicidade. Lá todo mundo tem um apelido – “Ursinho”, “Beethoven”, “Musa”, “Alemoa”, “Berfort”. É lugar de corpo-a-corpo e não de Whatsapp. De piscadas presenciais e não emojis. Risadas incontáveis, como as ondas do mar.

Corpos desnudos revelam que não tem nada mais sexy que marquinha de biquíni recém-feita ou nucas cheias de sal. Mas se for pra ficar vestido, na praia não existe “a minha mala” ou “as minhas roupas”, toda vestimenta é coletiva. Toda canga / toalha é dividida, e as cadeiras de praia circulam em revezamento. A programação noturna tem planejamento de corporativa multinacional, com avaliação de impacto sociológico (“pra onde vai a galera?”), financeiro (“tem cortesia, nome na lista, choro, combo – dá pra pagar no cartão?”) e logística (“como mesmo eu cheguei na minha cama/ sua cama / aqui no chão?”).

Joelhos são ralados, panturrilhas ficam doloridas, braços são esgotados, e roxos por todo o corpo fazem parte do pacote. “Onde foi que eu me bati?” – o mistério vem e vai embora junto com os hematomas, pois na praia se vive ativamente, envolventemente. Pode ter sido o escorregão numa pedra, a batida mal calculada numa onda, uma bolada de frescobol, o swing-samba-funk até o chão. De corpo e alma, o jeito é aceitar que pequenos acidentes são sempre previsíveis. Um pequeno preço que se paga por dias lindos de pés descalços e espírito livre. Na praia, meus amigos, a gente fica sensível à qualidade do tempo que nos damos pra ser feliz.

Praia, paraíso que decidi há muito tempo chamar de meu, sendo dona temporária apenas de um pedaço de areia onde couberem meus amigos e um guarda-sol. E é lá, sob os olhos vigilantes de Iemanjá, que consigo lembrar que a vida não é feita só de despedidas, mas também de reencontros. Não só de reunião, mas também de congregação. Lembro-me que ela não é feita só de escolhas difíceis, mas também das bem fáceis. De que nem tudo é incerteza, mas também momentos e prazeres em que você se joga de cabeça e de olhos fechados. É do meu castelo de areia que lembro que depois de cada tempestade ou chuva de verão (na praia ou na vida), haverá sempre um céu cor de rosa pronto pra me conquistar.

Não adianta procurar outra cura. Nas doçuras cantadas por Nando Reis, fica claro qual o remédio para os males da cabeça e do coração:“A gente só não inventa a dor, a gente que enfrenta o mal, quando a gente fica em frente ao mar, a gente se sente melhor”.

Então não me leve a mal, nesta segunda-feira pós-feriado. Me leve de volta a praia, vai?








Uma questionadora fervorosa das regras da vida. Viajante viciada em processo de recuperação. Entusiasta da escrita. Uma garota no divã figurado e literal. Autora do blog antonianodiva.com.br.