Por Martha Medeiros

Nunca passei uma noite cheirando cocaína, mas imagino que o efeito seja parecido com o que senti ao sair do cinema depois de assistir ao filme “Monsieur e Madame Aldeman”: difícil ficar em silêncio e não ter vontade de correr ou dançar pelo estacionamento do shopping, onde duas horas antes eu havia deixado meu carro me sentindo meio entediada e sem saber muito bem o que esperar desta produção francesa que havia acabado de entrar em cartaz. Aviso: espere tudo e prepare-se para receber muito mais.

O filme conta a história de Victor e Sarah, que se conheceram num bar decadente de Paris em 1971 e tiveram suas vidas interligadas até 2016. Faço a conta pra você: 45 anos de um amor irreversível e com todas – eu disse TODAS – as reviravoltas possíveis, imagináveis e inimagináveis. Um roteiro escrito por dois insanos: o próprio casal protagonista, Nicolas Bedos e Dora Tillier.

Nunca tive dúvida sobre qual é a maior aventura da vida. Com todo o respeito a navegadores, montanhistas e motoqueiros: relacionamentos amorosos é que produzem as vertigens mais cambaleantes. Se forem amores variados, serão abalos sísmicos de diferentes graus. Se for um amor único e eterno, os dados estão lançados: ou será um tédio interminável ou uma viagem lisérgica. O casal do filme protagoniza um amor do segundo tipo. A poltrona do cinema deveria ter um cinto de segurança para a gente manter apertado durante o voo.

Não vou entregar detalhes, você pode imaginar o que acontece a partir de um flerte num bar entre uma garota sem graça e um escritor bebum, passando por desencontros, encontros, apresentações em família, casamento, filhos, separações, terapias, reconciliações, traições, até os dois entrarem naquela zona acinzentada da terceira idade. A boa notícia é que não dei spoiler: falei do previsível. O imprevisível é que fascina do início ao fim.

Se não posso falar de cada cena para não tirar a graça, posso ao menos falar deste tipo de filme que nos captura com uma mão invisível e nos leva até um platô acima do julgamento moral. Ando detestando julgamentos morais como nunca antes. O filme é uma redenção neste sentido. Tudo o que acontece é exagerado, mas nada é implausível. Reconheçamos: entre as nossas quatro paredes, não há circo, nem teatro, nem hospício que se compare. Você sabe, eu sei. Já vivemos cenas que, se contarmos, nos internam. Mas se filmarmos, ganhamos o Oscar.

Só que ninguém está pensando em prêmio. Aliás, uma das frases do filme: “O que acontece entre duas pessoas é muito mais importante do que qualquer fama ou glória”. É isso: a gente passa por vários perrengues na vida, e a recompensa é o perrengue em si, que torna nossa trajetória passível de ser recordada como algo que valeu a pena, e não apenas um acúmulo de dias repetitivos e enfadonhos. O que salva nossa biografia, no final das contas, é a loucura da nossa intimidade.