O psiquiatra e psicoterapeuta, que já vendeu mais de 20 milhões de livros no Brasil, conta em uma entrevista concedida para a ÉPOCA, como ser feliz no presente e lidar com a ansiedade do que vem por aí…

Augusto Cury estuda o cérebro humano há mais de 30 anos. Desde o final dos anos 1990, escreve livros relacionados a seus conhecimentos sobre memória e construção do pensamento – misturados com uma boa dose de análise de comportamento. No lançamento de Ansiedade: como enfrentar o mal do século (Editora Saraiva), sua 35ª obra, ele apresenta a síndrome do pensamento acelerado, que considera mais nociva que a depressão. “O bombardeio de informações e atividades intelectuais gerou uma sociedade ansiosa, que sofre por antecipação”, diz. Em entrevista a ÉPOCA, Cury dá dicas de como lidar com as ansiedades do ano que vem.

ÉPOCA – O que os ansiosos podem esperar de 2014?
Augusto Cury – Em tese, 2014 será mais estressante, por causa da Copa do Mundo e das eleições.

ÉPOCA – O que o senhor recomenda para aliviar o sofrimento por antecipação e a ansiedade gerada por esses eventos?
Cury – Treinar seu eu a dar um choque de lucidez em cada pensamento perturbador. Isso é um treino diário. Como já disse para magistrados, inclusive numa palestra no STF (Supremo Tribunal Federal): temos de impugnar cada ideia, cada sofrimento por antecipação, para não registrar a experiência ruim e não empulhar nossa memória com dados inúteis. Devemos pensar no futuro apenas para traçar metas. Não devemos sofrer por antecipação. Não podemos dispensar o presente, único momento que temos para ser estáveis e felizes.

ÉPOCA – Isso tem a ver com a síndrome do pensamento acelerado, que o senhor considera o mal do século?
Cury
– Essa síndrome diz respeito à construção do pensamento. Quando pensamos rápido demais ou em excesso, violamos o que deveria ser inviolável: o ritmo da formação de pensamentos. Isso gera consequências seriíssimas para a saúde emocional, como a ansiedade. Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), cerca de 20% sofrem com a depressão. A ansiedade provavelmente é sentida por 80%, de crianças a idosos. Pensar é bom, pensar com consciência crítica é ótimo, mas pensar excessivamente e sem gerenciamento é uma bomba para a saúde psíquica, para o desenvolvimento de uma mente livre e criativa. Toda vez que hiperaceleramos os pensamentos, a emoção perde em qualidade, estabilidade e profundidade. São necessários cada vez mais estímulos, aplausos, reconhecimento para sentirmos migalhas de prazer.

ÉPOCA – O que o senhor considera pensar em excesso?
Cury
– Excesso de informação, de trabalho intelectual, de atividades diárias, de preocupações; excesso do uso de smartphones e games. Isso tudo estimula fenômenos cerebrais e inconscientes que acessam a memória com uma velocidade nunca antes vista. Costumo chamar um desses fenômenos de autofluxo. Ele tem como objetivo acessar a memória milhares de vezes para trazer imagens mentais e pensamentos. Com o excesso, a mente humana fica superexcitada e acaba sofrendo um desgaste sem precedentes. A sociedade moderna, consumista e rápida, nos faz adoecer coletivamente. Nos tornamos reféns de nossa mente.

ÉPOCA – Quais são os sintomas dessa doença?
Cury
– Os clássicos são acordar cansado, ter dores de cabeça e musculares, transtornos do sono e deficit de memória. Em casos mais agudos, as pessoas se aborrecem com a lentidão alheia. Ficam irritadas quando o computador demora a ligar. Ou não conseguem lidar com pessoas mais lentas do que elas. Não são capazes de parar e contemplar a paisagem, a natureza, uma flor. Não param para jogar conversa fora na varanda.

ÉPOCA – São as pessoas que estão sempre com pressa.
Cury
– Estão sempre sofrendo por antecipação. O pensamento rápido demais e sem gerenciamento é responsável por esse tipo de sofrimento, que atinge qualquer um, de crianças a idosos, alunos e professores, profissionais liberais e empresários. Os melhores profissionais fazem velório antes do tempo. Esse tipo de profissional é ótimo para suas empresas, mas carrasco de si mesmo. Sofrem pelo futuro de maneira dramática.

ÉPOCA – Crianças também têm pensamento acelerado?
Cury
– Nós as submetemos a um trabalho intelectual escravo cada vez mais cedo. Estamos cometendo o assassinato coletivo da infância. Isso acontece em todas as sociedades modernas. Ficamos estarrecidos com armas químicas, destruição em massa, mas não nos chocamos com o assassinato da infância. Os ministérios da educação de todo o mundo estão errados ao avaliar os alunos pela assertividade de dados na prova. Se quisermos formar pensadores, devemos avaliar também a capacidade de cooperação, de debater ideias, o altruísmo, a capacidade de pensar antes de reagir, de se colocar no lugar dos outros. São esses elementos que determinarão a qualificação desses alunos e futuros profissionais. Mas a educação está pautada por bombardear a memória dos alunos com excesso de informações, em detrimento do pensamento crítico, de aprender a ser autor de sua própria história. Os executivos do mundo inteiro são contratados por suas competências técnicas, mas 80% deles são demitidos por falta de habilidades comportamentais.

ÉPOCA – Esse tal pensamento acelerado na infância tem algo a ver com os diagnósticos de hiperatividade, comuns hoje em dia?
Cury
– A hiperatividade tem um componente genético. Uma criança hiperativa provavelmente tem um dos pais com histórico de ansiedade. Ela acontece em 1% das crianças. A síndrome do pensamento acelerado tem sintomas parecidos, por isso a confusão e os diagnósticos errados. Faltam estudos sistemáticos sobre a formação do pensamento e as armadilhas desse processo. A síndrome talvez seja a mais iminente.

ÉPOCA – Os pais também não são responsáveis por esse tipo de educação?
Cury
– Os pais estão completamente perdidos. Acham que sobrecarregar seus filhos de atividades garante que serão adultos mais bem preparados no futuro. Eles cometem erros crassos, como dar brinquedos e roupas em excesso, incentivar o uso de games e jogos em computadores, tablets e celulares, exigir que façam múltiplas atividades. Acham que, assim, criam adultos brilhantes. Alguns até se gabam da destreza de seus filhos pequenos ao manusear um smartphone. Mas o gênio desaparecerá na adolescência. Entra em seu lugar um jovem que não sabe lidar com as perdas, nem corrigir o que deu errado, nem se colocar no lugar do outro. Eles não conseguem. E ter esse tipo de inteligência é fundamental para ter sucesso no futuro.

ÉPOCA – Que conselho o senhor daria a esses pais?
Cury
– Não tenham medo. Criança tem de ter infância, brincar, ter contato com a natureza, se envolver com projetos mais lentos, como literatura. Porque agitar a mente não é garantia de nada. Quantidade de informação não é relevante para formar mentes brilhantes.

ÉPOCA – Pensar rápido tem alguma vantagem?
Cury
– Não tem como não ser hiperpensante do jeito como vivemos hoje. Somos bombardeados com informações, e o registro na memória é involuntário. Nos computadores somos deuses, arquivamos o que queremos, quando queremos. Em nosso córtex cerebral não tem jeito, os registros acontecem sem nossa vontade. Uma criança de 7 anos hoje provavelmente tem mais informações que o imperador de Roma, no auge de Roma. O problema são os dados empulhados, que não são usados como conhecimento, o conhecimento que não é usado como experiência, e a experiência que não é usada como as funções complexas da inteligência: pensar antes de reagir, colocar-se no lugar do outro, ser resiliente, saber gerenciar o pensamento.

ÉPOCA – O senhor se mudou para o interior em busca de um ambiente mais tranquilo para escrever seus livros. Precisamos nos mudar para o meio do mato para desacelerar?
Cury
– A síndrome atinge a todos, em todos os lugares. Não é só um problema das metrópoles. Atinge criança, adulto e idoso em todo lugar, não é coisa de metrópole. Nas cidades grandes, a logística do dia a dia é mais difícil, pode ser que haja mais violência. Mas é possível assistir a um DVD para contemplar a natureza, fazer passeios de final de semana, em parques ou no zoológico, para colocar as crianças em contato com animais e plantas. Dá para ter animais e plantas em casa. E, o principal, que não depende do lugar onde se mora: conversar. Conversem muito com seus filhos, conversas longas. Não tenham medo de mostrar seus erros, para que eles entendam que não há céu sem tempestade.